Eu não sei se vou me deixar de impressionar com a Dimps. A desenvolvedora japonesa consegue transformar até a mais medianas das histórias em uma aventura agradável graças ao seu incrível afinco por criar uma jogabilidade excepcional. Foram eles que me fizeram jogar, pela primeira vez, “Sword Art Online” com “Fatal Bullet”, e retornar a ele com “Fractured Daydream” (Steam / Xbox / PlayStation / Switch). Todavia, parte da magia se perdeu no processo, e não é exatamente culpa da desenvolvedora.
Ame ou odeie, a franquia “Sword Art Online” está presente de animes a dezenas de jogos há anos. Eles têm o seu público, sejam aqueles que desejam acompanhar a jornada de Kirito no universo online do jogo, ou para aqueles que querem uma jogabilidade “simples” misturada com uma dose de elementos de visual novel.
“Fractured Daydream” é a primeira vez em que a a franquia olha para a sua história, reflete sobre e tenta “criar” o que pode ser considerado o mais próximo de uma antologia. E é aqui que começa o primeiro desafio da Dimps.
A narrativa do RPG é uma igualmente “nova” em termos de novos eventos, mas com uma bagagem absurda por trás dela. O universo de “Sword Art Online” é desestabilizado pelo que é chamado de “Galaxia”, um novo sistema no MMO virtual que em teoria permite que os jogadores explorem eventos do passado, mas que saiu do controle e agora distorce a linha do tempo – tanto dentro quanto fora do jogo. Cabe mais uma vez ao nosso querido Kirito e seus aliados colocarem as coisas onde deveriam estar.
Como a minha experiência com “Sword Art Online” é relativamente limitada, eu me senti “boiando” no primeiro capítulo. Aparentemente uma das aliadas de Kirito foi uma vilã em um jogo anterior? Estou confundindo as coisas? E quem são esses personagens? Reconheço alguns rostos, mas outros são um completo mistério para mim.
Não era para ser um problema já que “Fractured Daydream” oferece uma opção para revisitar alguns dos momentos cruciais das histórias dos jogos anteriores. Todavia, ao invés de liberá-las de cara, você precisa coletar um material específico pelo mapa para, assim, ter acesso as cinemáticas. A Dimps toma uma decisão controversa — e esta não vai ser a última que você vai ler neste texto — mas eu entendo em partes a razão para.
Recentemente escrevi sobre “Mechwarrior 5 – Clans” —ainda que bem distintos em temática e jogabilidade — ambos possuem dificuldade de consolidar múltiplas narrativas e pontos de vista em um só jogo, e se a Piranha Games fosse seguir o modelo da Dimps, sinto que a maioria dos jogadores iam começar o jogo mais confuso do que já estavam.
O melhor a se fazer é abraçar a confusão que é o capítulo um, e eu recomendo para quem for investir tempo no jogo, pois muito vai começar a fazer sentido a partir do segundo. É aí que a história original de “Fractured Daydream” começa de verdade. Isto é, se é que posso chamá-la de história.
Como disse antes, “Fractured Daydream” é uma celebração da franquia. Independente de qual capítulo você estiver, vai ter um ou outro episódio que vai soar confuso ou sem contexto pela decisão que a Dimps tomou de não liberar os eventos dos jogos anteriores à medida em que você progride a história. Mas o problema é um pouco mais fundo que isso.
Muita coisa mudou na indústria de jogos desde o lançamento de “Sword Art Online: Fatal Bullet”. E se há uma franquia que sofreu com essas mudanças, é a de Kirito e seus amigos. Aquelas cinemáticas fantásticas e uma história de tirar o fôlego? Deixa isso no passado. Há uma notável redução de custos para produzir estes jogos; momentos que antes eram representados por uma boa luta ou até uma animação mais elaborada viram meras situações em que dois personagens falam entre si e parecem desanimados em estar ali, quase como se a série em si demonstrasse um certo cansaço da sua própria existência.
Por consequência, há uma fortíssima desconexão e até mesmo falta de clareza no que está sendo discutido em certas cenas. Às vezes o jogo faz referência a eventos do passado, mas não define muito bem este “passado”. Há momentos em que ele prefere se focar em um inimigo que você acabou de derrotar na última missão, mas é um nome tão genérico que eu me peguei perguntando se eu li o nome errado durante a luta, ou era aquele nome “aleatório” mesmo.
Eu fiquei um tanto impactado com a mudança. Como que um jogo, que devia celebrar “Sword Art Online”, é apresentado de forma tão… crua? Bom, se fosse para presumir, diria que as vendas dos últimos jogos — “Last Recollection” e “Alicization Lycoris” não justificaram o investimento extra. Há quem venha a falar para mim “Mas Lucas, ninguém joga ‘Sword Art Online pela história'”.
Eu acredito que existem muitos que de fato não se importam com isso, mas “Fractured Daydream” estava com a faca e o queijo na mão para se sobressair neste aspecto! Olha a quantidade de personagens jogáveis, a história por trás de cada jogo, até mesmo as próprias referências que ele faz. Por que não investir um pouco mais para torná-la mais atraente, envolvente?
Mas ainda assim, apesar dos pesares, eu segui em frente pela mesma razão que eu me interessei por “Fractured Daydream” desde o começo: a excepcional jogabilidade da Dimps, e em 90% dos casos ela não decepciona.
Embora a última empreitada da desenvolvedora tenha sido com “Fatal Bullet”, ela consegue o quase impossível de aglutinar vários personagens de diferentes eras de “Sword Art Online”, sem que eles percam a sua personalidade no combate.
Alguns deles, como é o caso de Sinon, Fukaziroh e Lisbeth estão bem mais simples do que as suas versões originais, mas era de se esperar dado a necessidade de homogeneizar certas mecânicas a não ser que o jogador quisesse um mini manual para cada um deles. E olha que o que não falta são tutoriais para diferentes tipos de classe, armas e e estilos de combate diferentes.
Quando o grosso da batalha acontece e você está desferindo dezenas de golpes nos seus inimigos, trocando de personagem para sincronizar ataques e derrotar inimigos poderosos, você vê a incrível atenção que a Dimps teve nesse aspecto. É o mais puro suco de um jogo que prioriza ataques explosivos com técnicas de esquiva ou bloqueio bem pensadas ao invés de um arroz com feijão como foi com “Last Recollection”. Eu senti no momento que atingia o platô de “Fractured Daydream” em termos gerais, e, sinceramente, eu até que estava certo.
Ainda que outros jogos da franquia oferecessem algum modo coop, “Fractured Daydream” é o primeiro que expande para além de quests para até 8 jogadores. Um modo “Free Roam” para 20 jogadores, raids, mais quests coop com diferentes níveis e chefões e uma dezena de equipamentos. Era para ser um modo que eu ia investir horas e mais horas, mas a maioria delas só ficou no meu imaginário.
A implementação do modo “Free Roam” é, no mínimo, arcaica. Ao invés de ser o estilo “drop in, drop out” onde você escolhe o modo e começa a jogar, você tem que esperar em um lobby vazio até que ele seja preenchido por 20 jogadores. Até mesmo em horários de pico a espera média variava de 5 a 10 minutos. Tentei diferentes servidores (EUA, Europa, Asia) e os resultados não foram igualmente insatisfatórios.
Mas a facada dolorosa mesmo veio da baixíssima variedade de quests oferecida pelo modo. A maioria delas envolvem o mesmo loop de “Mate ‘X” inimigos de tipo ‘Y’ e depois mate mini-chefões do tipo ‘Z”. Nada de missões especiais, nada de eventos temáticos, nada que envolvesse mais este modo com a própria história de “Sword Art Online”. Ele está presente pelo puro grind e nada mais.
“Insalubre” é o adjetivo mais carinhoso que eu posso dar para o modo Free Roam. As recompensas são pífias, o tempo que você investe nele não é recompensador e todo o conceito por trás dele parece ter vindo de 10 anos atrás. Não era o que eu esperava para “Sword Art Online”, muito menos para um jogo que deveria celebrar a franquia.
Ao menos os chefões de raid – outra adição considerável para “Fractured Daydream” são mais mecanicamente mais interessantes. Apesar de, outra vez, terem pouquíssima variedade, ao menos os diferentes níveis de dificuldade adicionam mais mecânicas e recompensas. Ainda bem, pois você vai precisar de um baita incentivo para subir os personagens de nível e obter itens raros. A taxa de drop de itens é pateticamente baixa e aumentar o rank de um personagem é lento, muito lento. Para um jogo que tem tantos personagens com diferentes estilos de combate, ter que se prender apenas a um para aumentar o rank é, no mínimo, outra decisão controversa da Dimps.
A cereja no topo do bolo, e o que quase me fez parar de jogar, é a adição de um passe de batalha com itens cosméticos que requerem um grind ainda maior para obter. Você se diverte fazendo as mesmas runs para completar tarefas diárias, semanais e mensais? Então “Fractured Daydream” vai ser perfeito para você. Se você não quiser um trabalho secundário – ou, no meu caso, terciário –, é melhor nem pensar em pegar essas recompensas.
Como eu apontei no começo do texto, o combate da Dimps eleva qualquer jogo mediano, e esse é o principal atrativo seja para quem é fã ou não de “Sword Art Online”. Mas, para um jogo que era para ser uma celebração da franquia e um ótimo componente multiplayer, está mais para aquela festa da firma onde a maioria das pessoas trouxe refrigerantes. Os poucos salgados e doces estão mornos ou sem gosto algum.
Há como a Dimps virar esse barco com uma boa dose de atualizações, redução no grind e mais variedade de cenários. Acredito que ela venha a fazer isso cedo ou tarde, afinal o jogo tem um passe de temporada com novos personagens. Mas esta não é a celebração que eu esperava para “Sword Art Online”. O melhor que eu posso fazer, por ora, é voltar para “Fatal Bullet” e cruzar os dedos para que daqui a alguns meses eu tenha em mãos o “Fractured Daydream” que imaginei.
Sword Art Online: Fractured Daydream
Total - 7
7
O excelente combate da Dimps carrega, e, muito, a história mediana e elementos insalubres de “Sword Art Online: Fractured Daydream”. Quests repetitivas, um modo “Free Roam” arcaico e recompensas fúteis arruínam o que era para ser uma celebração da franquia. Pode ser que os fãs mais fervorosos encontrem a paciência para o grind, mas eu prefiro ficar com o meu “Fatal Bullet” mesmo.