Há duas verdades praticamente irrefutáveis nesta vida: a morte, e que, provavelmente, todo lançamento de um jogo da franquia BattleTech / MechWarrior vai ser recebido com as mais variadas reações. Muitas delas, negativas. Ainda que eu não tenha tanta certeza em relação à morte, já sobre “BattleTech”, eu tenho uma moderada noção, após terminar a campanha de “MechWarrior 5: Clans” (Steam / Xbox Series S e X / PlayStation 5).
Embora a Piranha Games bata na tecla quase que constantemente que “Mechwarrior 5: Clans” não é um DLC, mas sim um jogo separado da franquia, ele poderia muito bem ser vendido em conjunto com “Mercenaries” e descrito como: “Olha, se você realmente quer entender o universo, nós recomendamos jogar ‘Mercenaries’ e de preferência gastar umas boas horas na wiki de Battletech”.
Começar a jogar Clans sem nenhum conhecimento prévio em “MechWarrior” ou “BattleTech” é o equivalente de pegar um barco e ir para o alto mar sem ao menos saber nadar. Pode dar certo e você não pegar nenhuma tempestade ou coisa pior, mas também não é a melhor forma de introduzir alguém à navegação.
Antes mesmo de terminar o tutorial, você vai ouvir dezenas de jargões, verbos e preposições que não fazem o menor sentido a não ser para aqueles que entendem como os clans funcionam em “BattleTech. Quem são os Smoke Jaguars? Por que você joga com eles? Quem são os outros clans, e qual o papel de cada um? Nada disso é propriamente explicado. Não chega a atrapalhar o “grosso” da história, mas é certamente uma área em que a Piranha Games podia muito bem ter facilitado o aprendizado nem que fosse com um pequeno glossário de palavras.
Já deu para notar que aprendizado é uma das palavras-chave em “Mechwarrior 5: Clans”, certo? Ainda que eu não goste muito da forma que o jogo introduz os clans, ver a invasão deles na Inner Sphere — região que até então era reino das antigas casas milenares, com uma estrutura quase que monárquica — com a Operation REVIVAL é o sonho de muito fã de “BattleTech” por décadas. Ver dropships gigantes, conseguir visualizar como as gigantescas naves e a suposta tecnologia mais avançada dos clans se compara com a Inner Sphere é fantástico. Todavia, é ainda outro ponto muito grande de aprendizado.
Uma das maiores diferenças entre “Mechwarrior 5: Mercenaries” e “Clans” é a estrutura de missões. Onde o antecessor deu quase total preferência à geração procedural de mapas e liberdade de contratos, “Clans” é extremamente, quase que dolorosamente, linear. Você vai pular de planeta em planeta atacando bases e se infiltrando em regiões inóspitas para obter informações e realizar missões de reconhecimento. A decisão de seguir pelo caminho linear foi uma das melhores tomadas pela Piranha Games, mas também uma que vai pegar muita gente de surpresa em termos de jogabilidade.
As missões de grande parte dos jogos da série “MechWarrior”, sejam eles lineares ou não, tendiam a ocorrer em áreas abertas. Nem “MechWarrior 3” ou “MechWarrior 4” foram lançados em um período em que criar regiões com grandes diferenças de altura ou uma defesa competente era fácil. Clans faz um extensivo uso de mecânicas mais “avançadas”, por assim dizer. Se você correr direto para o encontro de um outro mech pensando que vai se dar bem, vai aprender bem rápido o quanto dói levar um míssil ou dois tiros de canhão e laser na cara.
Os embates de “MechWarrior 5: Clans” são fantásticos e, por isso, ele requer que você pense e repense o seu posicionamento e o posicionamento dos seus aliados. Às vezes se proteger atrás de um rochedo ou usar edifícios para mascarar o seu sinal e preparar uma emboscada para os inimigos são táticas muito viáveis. E, mesmo quando elas não dão certo, ele ainda é um dos jogos mais rápidos de toda a franquia.
Quando digo rápido, eu falo do fato de que, nos jogos anteriores, os mechs de classe “leve” eram um incômodo, mas nunca uma ameaça em missões mais avançadas. Agora? Eu tenho pavor quando eu vejo um deles, as chances de ele destruir a armadura das minhas pernas com ataques precisos e ágeis são muito mais altas. A Piranha Games conseguiu assim capturar a essência do propósito de cada mech no campo de batalha. Mas, infelizmente, batemos outra vez na barreira do aprendizado.
É fácil para mim escrever aqui o quão útil é um “Arctic Cheetah” ou como eu prefiro o “Kitfox” com um AC/2, mas, para novatos, isso não vai significar absolutamente nada. “MechWarrior 5: Mercenaries” ao menos se dava ao trabalho de explicar a diferença entre esses mechs e como funciona o MechLab (mais sobre este elemento em breve). “Clans” te joga no campo de batalha e fala “se vira aí para aprender o sistema de armas e defesas”.
Nem mesmo componentes que estavam ausentes há anos, ou sequer funcionavam corretamente nas versões anteriores, é explicado. O que é um tanque com SRM-5? Ah, você vai descobrir na hora que receber um salvo de mísseis e perder um pedaço da sua proteção. O que fazer nessa situação? Colocar um módulo de defesa contra mísseis, mas quem disse que o jogo sequer menciona a existência deles?
Quem tentar aprender sem guias externos vai bater de frente com um MechLab bem mais restrito do que jogos anteriores. O “laboratório”, que é basicamente a área de alteração, conserto e personalização dos seus mechs, foi simplificado por motivos de “lore”, já que uma parte dos mechs usados pelo clan Smoke Jaguar e outros clans são “OmniMechs” – mechs que podem ter suas partes trocadas com facilidade para assumir diferentes papéis no campo de batalha, mas isso restringe e muito a personalização deles. Quer adicionar uma camada extra de armadura só por precaução? Você não pode, e vindo de “Mercenaries”, é bem frustrante.
Para amargurar ainda mais, a Piranha Games usa duas camadas de metaprogressão que me dão a impressão de serem extremamente desnecessárias, para não dizer pouco intuitivas. Em suma, cada um dos seus pilotos – dessa vez com rosto e especialidades – ganha pontos de experiência ao completar uma missão. Tais pontos são gastos em melhorar a habilidade deles com um tipo específico de arma, mas nem sempre você vai ter o equipamento correto para cada piloto.
Alternativamente, você tem um laboratório onde você pesquisa melhorias gerais para os mechs e pode aumentar, por exemplo, o dano de lasers em… 5%. Ah, faça-me o favor! 5% é um valor medíocre quando você está no meio do campo de batalha cercado por forças da Inner Sphere e tentando limpar uma área para evacuação. Eu troco essas camadas de metaprogressão por um MechLab mais atraente em termos de como preparar o seu mech para o combate e tutoriais mais competentes em um piscar de olhos.
Eu sei que eu posso estar batendo mais do que o necessário em “MechWarrior 5: Clans”, mas é porque, quando todos os componentes se alinham — narrativa, mechs, missão, história — você tem um dos melhores, se não o melhor jogo da franquia.
Qualquer desenvolvedora que tenta explicar a invasão dos Clans tem a noção de que é uma tarefa quase impossível. São décadas de história, diferentes fontes e até mesmo pontos de vista. BattleTech, tal como Warhammer 40K, trilha a complicada história de anos e mais anos de diferentes autores com diferentes formas de escrever e até mesmo públicos-alvo diferentes.
Unificar em uma narrativa coerente é complexo, e dado o material e a escolha do clan Smoke Jaguar, eu diria que ela até que se saiu bem. Críticas acerca da falta de explicação à parte, a história de “MechWarrior 5: Clans” é envolvente, repleta de reviravoltas inesperadas, e com missões que podem começar “mornas”, mas se transformam em batalhas épicas ou até uma corrida para tentar evacuar uma região. A atuação dos personagens é competente, apesar da maioria dos rostos terem animações peculiares; é o suficiente para te “vender” na história de uma invasão.
Por mais crítico que eu tenha sido aqui, eu não vou mentir e falar que não fiquei muito empolgado quando eu finalmente pus as mãos em um Timberwolf – até hoje o mech mais icônico da franquia – e comecei a dizimar os meus oponentes como se eles fossem formigas. Ou quando eu preparei uma emboscada tão boa que uma missão na qual havia empacado antes por horas chegou a parecer ser “fácil”, depois de destruir uma patrulha de mechs antes deles sequer dispararem o primeiro laser contra a minha equipe.
Até a pequena seleção de mechs — 16 no total — não me incomoda muito, dado o período em que ele se passa e a linearidade da campanha. Não faz sentido em termos de história, por exemplo, o clan Smoke Jaguar utilizar um Urbanmech. Pode soar absurdo para quem vem de “Mercenaries”, com suas dezenas de variantes, mas vai por mim: você não vai sentir tanta falta deles.
Todavia, para chegar neste ponto, o jogador vai ter que ser curioso e até mesmo teimoso. É preciso compreender que você vai falhar em missões, às vezes mais de uma vez, por conta das limitações do seu mech, e vai ter que aprender a ferro e fogo como personalizar o seu mech, como utilizar proteção natural dos mapas, e que ir de encontro ao inimigo sem um plano em mente é uma sentença de morte.
Antes de publicar esta crítica, eu tive uma breve conversa com um amigo sobre o universo “BattleTech”. Ele me perguntou se um dia nós iríamos ver ele ser tão popular quanto “Warhammer 40K”. “Não”, eu respondi quase que de imediato. “‘BattleTech’ tem muitas nuances, eras, intrigas políticas e mechs para se tornar popular como a série ‘Warhammer’”.
“MechWarrior” é, e sempre vai ser, um jogo de fãs para fãs, e dentro desse contexto “MechWarrior 5: Clans” se sai até que bem, dado a complexidade do tema e tantos outros deslizes que comentei acima.
O jogo atinge o seu ápice nas missões épicas, quando você está no controle de um mech gigante e destruindo tudo pela sua frente, e nesses momentos é o melhor que a franquia já ofereceu em termos de jogabilidade. É um banquete para os fãs, e um que provavelmente vai ser expandido e estendido com DLCs ou até outros pontos de vista de outros clans. Agora, se você não for um conhecedor do universo, é como eu falei antes: ou você aprende por curiosidade ou teimosia, ou você vai estar em um gigantesco oceano sem saber navegar.
Minha recomendação? Pegue uma boia e aprenda a nadar. “MechWarrior 5: Clans” merece este esforço e, se você superar a gigantesca curva de aprendizado e falta de tutoriais decentes, um universo vai se abrir na sua frente, e você não vai esquecer dele tão cedo. E, quem sabe, você não vira um fã que nem eu?
MechWarrior 5: Clans
Total - 8.5
8.5
“MechWarrior 5: Clans” é um banquete para os fãs mais dedicados, com uma boa história da invasão dos clans na Inner Sphere, ótima jogabilidade e missões muito mais envolventes do que os jogos anteriores conseguiram atingir. Mas um MechLab pouco intuitivo, metaprogressão desnecessária e tutoriais pavorosos para iniciantes o afastam de atingir seu pleno potencial.