Pergunte para qualquer crítico de jogos o que é mais difícil: Escrever sobre um jogo onde você consegue ver os problemas claramente, um jogo “falho” por assim dizer, ou um que é mediano. Não duvido que a maioria deles vá responder “mediano”. Por incrível que pareça e, por mais que falem “mal” de críticos, nenhum de nós gosta de ter que apontar os deslizes de um jogo. Fica ainda mais doloroso quando esses deslizes ofuscam elementos fantásticos dele. Foi bem o que eu senti após terminar a história o título de estreia da Reflector Entertainment— “Unknown 9: Awakening” (Steam / PlayStation / Xbox).
Quando ouvi falar dele pela primeira vez, parecia que a Reflector Entertainment estava produzindo um jogo focado quase que inteiramente nos meus interesses. Uma aventura situada no começo do Séc XX com uma ambientação ligeiramente influenciada pelo Steampunk, uma história envolvente com uma protagonista feminina da Índia que, até muito recentemente, era usado para fins de ser mais um território para estabelecer a narrativa do “salvador branco”.
Minha empolgação para jogá-lo foi lá em cima. Os últimos jogos de médio / grande porte ambientados na região a usaram mais como uma “desculpa” para estabelecer uma narrativa. “Uncharted Lost Legacy”, partes de “Far Cry 4”, “Tomb Raider” e um mapa de Mumbai em “Hitman”. Apenas “Raji: an Ancient Epic” fez jus a região – e o próprio tem a sua parcela de problemas.
“Unknown 9: Awakening” não abraça inteiramente a cultura indiana, mas a usa como fundação para a personagem principal Haroona, os “Unknown 9” – entidades que estabeleceram o ciclo de vida e morte de uma população e são um dos centros da narrativa do jogo – e outros coadjuvantes que não são afundados em estereótipos.
Ainda que mais linear do que eu gostaria, explorar cada capítulo do jogo, encontrar diários e itens que expandiam mais e mais a visão que a Reflector Entertainment criou foi um dos pontos altos. Eu não sou o tipo de pessoa que liga muito para colecionáveis, mas eu fiz questão de retornar para alguns capítulos e garantir que eu peguei tudo possível.
Cada pedacinho de informação era um olhar aprofundado ao que a desenvolvedora planeja fazer com o universo. Como os “Unknown 9” moldaram a cultura do mundo, como as diferentes facções que estão em busca de tentar quebrar o ciclo de vida e morte (mais sobre em breve) funcionam. Até mesmo cartas sobre a situação em uma região ou escavação eram interessantes.
A realidade é que o meu foco nesses pequenos detalhes foi o que me fez seguir capítulo após capítulo de “Unknown 9: Awakening”. Se fosse pela história principal, eu teria deixado de mão nas horas iniciais. Tudo o que a Reflector Entertainment fez para evitar cair em estereótipos na criação do mundo parece ter rebatido na história principal.
O jogo começa com Haroona e sua mentora em busca de Vincent – um dos vilões do jogo – e não se preocupe se isso soa um spoiler, o primeiro capítulo já deixa a posição dele bem clara em relação ao mundo de “Unknown 9: Awakening”. Ele é mais um daqueles vilões que tem a “solução perfeita” para acabar com o ciclo de vida e morte que os anciões chamados de “Unknown 9” estudaram e estabeleceram como algo inevitável.
A trama em si é sutil como uma marretada em uma parede, martelando sempre que possível sobre como a ganância e a busca por poder são fúteis. Como o ser humano é corrompido por eles, e como tudo deve ser realizado – até mesmo poderes “mágicos” – em moderação. Eu não teria um grande problema com a trama se ela não me remetesse ao menos uma dúzia de outros títulos que eu joguei entre 2010 e 2024.
Entendo que é um tema bastante usado, mas ele não faz o devido uso do universo fantástico que a Reflector Entertainment criou para “Unknown 9: Awakening”. É como se duas equipes bastante distintas trabalharam em um projeto, mas nunca se sentaram na mesma sala para debater como as suas ideias podem convergir.
Uma hora eu estava descobrindo sobre facções secretas, uma raça de “imortais” que descobriu mais sobre os “Unknown 9” do que qualquer outra. Alguns minutos se passaram e esses mesmos elementos eram usados para entupir um diálogo de jargões. Era mais fácil o vilão ou um dos tantos personagens genéricos que eu vi ao longo da campanha falarem. “Eu quero ser melhor do que todos”, me salvaria tempo.
Essas discrepâncias continuam para elementos como o sistema de furtividade e combate de “Unknown 9: Awakening”. A Reflector Entertainment não conseguiu se decidir se o jogo devia ser mais furtivo, mais focado no combate e acabou caindo em dois pilares que, além de não serem muitos satisfatórios na maioria do tempo, te dão uma falsa ilusão de escolha.
Um dos principais traços de Haroona é a sua capacidade de ver além de paredes graças a sua ligação com o Umbral. Essa ferramenta supostamente seria ótima para despistar inimigos, passar despercebido por áreas. Mas, na maioria das vezes, o jogo utiliza a furtividade para te dar uma “vantagem” sobre o inimigo antes de partir para o combate.
Quanto mais fundo eu ia na história, menos esses elementos furtivos eram úteis. Eu fui emboscado, saí de uma cinemática para o combate direto. Olhava para os pontos que gastei na árvore de habilidades de furtividade – uma das três que o jogo possui – e me perguntei o porquê de eu ter gastado pontos cruciais em “ficar mais tempo invisível” se ele não serve para nada.
A árvore de habilidades é praticamente “inútil” em termos de versatilidade. Não importa a escolha que você fizer, você eventualmente vai ter que investir pontos em melhorar a sua habilidade de combate, aumentar o dano de seus ataques corpo a corpo, ou usar uma esquiva que “desacelera o tempo”.
Eu não teria tantos problemas com o combate em si se ele não fosse tão monótono. Começa capítulo, termina capítulo e eu lutei com o mesmo punhado de soldados inimigos. Uns com armas de fogo, outros com armas de ataque corpo a corpo. A receita de bolo é palpável. Comece o ataque, desvie de um ataque deles, retorne com um golpe poderoso. Fim.
O próprio jogo oferece um sistema mais interessante – o de controle mental – que permite você tomar controle temporário dos inimigos e fazer com que eles ataquem os seus aliados. Era para ser a carta perfeita para a Reflector Entertainment usar na hora de expandir o escopo de furtividade, mas ao invés isso, é uma ferramenta mediana para dar uma “variada” no combate da metade do jogo para frente.
Eu não vou negar que é muitíssimo satisfatório quando você consegue realizar um combo onde toma controle do corpo de um inimigo, ele atordoa outro, você pula para outro corpo e causa um ataque massivo em área que acaba com todos os inimigos da área. Mas esses momentos são situacionais e ocorrem mais quando eu já estou em estado de combate do que tentando ser furtivo.
Não creio que “Unknown 9: Awakening” precisa se focar demais em um estilo ou outro. Eu não quero um “Ereban: Shadow Legacy” – um indie lançado em abril deste ano que tem um bom sistema furtivo – mas em outra ambientação. Eu só esperava um maior equilíbrio dessas mecânicas ou ao menos fazer proveito do que torna o título da Reflector Entertainment especial.
Tornar “especial” é a chave das minhas reclamações acerca de “Unknown 9: Awakening”. Como apontei no começo do texto, eu tenho a minha parcela de jogos medianos nas diversas bibliotecas de consoles. Alguns se sobressaem no combate, outros na narrativa, outros nos visuais. Não há nenhum problema em ser mediano.
A questão em si é quando o mediano é o grosso do seu jogo, que é o que acontece com “Unknown 9: Awakening”. Ele não traz a mesma sensação de grandeza de “Call of Cthulu” ou a vontade de explorar de “The Sinking City”. Eu posso listar mais outros dez ou quinze jogos que se encaixam muito bem nesse critério.
No fim, ele não faz um bom uso da incrível ambientação que a equipe criou para a história e muito menos tem um traço determinante nele. Talvez o que mais me chamou atenção é o gosto amargo que ele deixou na minha boca após terminá-lo. Tive flashbacks de uma era de jogos que ficou para trás. Seguros, com uma história previsível e sem algo que o fizesse se destacar em meio ao mar de jogos. Me lembrei da pilha de games que eu tinha no meu Xbox 360, nomes que nem lembro mais ou histórias que sequer me recordo.
Em um ano que até “Space Marine 2” conseguiu trazer esse estilo de volta, mas entendeu como transformá-lo em um pacote mais atraente graças a incrível fusão de excelente combate, narrativa e exploração, “Unknown 9: Awakening” é um passo para trás.
Eu não tenho ideia do que o futuro reserva para a Reflector Entertainment. Em partes, eu quero muito que a equipe continue explorando o universo que ela criou. Este sim, vale a pena, mas se for no mesmo formato que seu jogo de estreia, é melhor transformá-lo em um livro ou um conjunto de artes conceituais. Ao menos assim eu não vou ter que sofrer com uma história maçante ou um combate fraco.
Unknown 9: Awakening
Total
“Unknown 9: Awakening” é um jogo de duas partes. Em uma, você tem uma equipe extremamente talentosa que criou um universo fantástico, facções e seres misteriosos. Aquele tipo de universo que te dá vontade de conhecer mais e desvendar cada informação possível sobre eles. A outra parte é uma história previsível, um combate fraco e um sistema furtivo ainda mais fraco ainda. Se for jogá-lo, faça pelos visuais e pela ambientação. Só por favor desligue o cérebro assim que uma cinemática começar a passar na tela.