A primeira vez que joguei “The Rogue Prince of Persia” (Steam / Xbox Series S e X / PlayStation 5), quando ainda engatinhava no seu período de acesso antecipado, apontei como um dos seus principais destaques a “fluidez” na movimentação. A Evil Empire – equipe que trabalhou em “Dead Cells” ao lado da Motion Twin – tinha feito o seu dever de casa. Agora, oficialmente lançado, eu encontrei um jogo que não só é fluido, mas muito diferente do que eu imaginava.
As lacunas muito aparentes do período de acesso antecipado foram preenchidas por uma malha narrativa bastante inusitada. Ao invés de seguir o caminho de “Hades” ou outros roguelites do estilo, a Evil Empire decide utilizar a sua própria forma de contar uma trama – uma indireta e que não vai segurar a sua mão.
O jogo começa poucos dias após a invasão da cidade de Ctesifonte — uma das mais importantes da Pérsia, apresentada aqui com um visual mais “fantasioso” e “cartunesco”. O culpado disso tudo é ninguém mais, ninguém menos do que o próprio príncipe, que causa a ira dos hunos após provocá-los, fazendo com que eles enviem um exército “sobrenatural” para atacar a cidade. Seus pais – o rei e a rainha – são sequestrados e o seu irmão está desaparecido. Erga as mangas e descubra como salvá-los.
Essa vai ser a maior “ajuda” que “The Rogue Prince of Persia” vai te dar no que diz respeito a “avançar” a trama. O restante você precisa desvendar por meio de um “mapa da mente” que indica possíveis locais com pistas ou pessoas que podem cooperar com você.

Eu fiquei um tanto surpreso com a decisão da Evil Empire de manter uma linha relativamente parecida com a de “Dead Cells” no que tange explorar a narrativa. Ainda mais para um jogo que, na minha concepção, seria muito mais abrangente.
Demorei a me acostumar de novo com o processo de explorar cada canto do mapa por uma pista, uma porta, alguém com quem eu pudesse falar. Embora não jogue “Dead Cells” há um bom tempo, ainda mantenho a sensação de que eu preciso fazer tudo “muito rápido” para obter o melhor resultado. “The Rogue Prince of Persia” quase que coloca uma mão no meu ombro e fala “Desacelera, vai com calma”.
Para você ter noção do quão desacostumado eu estava, as minhas primeiras três horas com a versão 1.0 de “The Rogue Prince of Persia” se resumiram a: avançar nos biomas, liberar novas armas, ferramentas e medalhões, derrotar um chefão e morrer para outro. “Por que diabos a história não avança?”, pensei com certa frustração. Porque eu não estava seguindo as dicas do “mapa da mente”.
Felizmente eu não fiquei entediado no processo, pois tanto a movimentação quanto o combate de “The Rogue Prince of Persia” são, como falei no início da matéria, fluídos e sublimes.

Há uma pequena curva de aprendizado até você pegar o jeito das dezenas de manobras que o príncipe pode fazer. O roguelite é muito mais focado em elementos de plataforma e pequenos “quebra-cabeças de plataforma” do que a média. Cair em espinhos, serras e as dezenas de outras armadilhas do cenário eram mais a regra do que a exceção.
Cheguei a me frustrar em alguns momentos, ainda mais com alguns pequenos bugs na versão de lançamento – já corrigidos desde a atualização 1.0.2, usada para essa crítica. Mas mesmo nestas situações, eu continuava contente em jogar por conta dos incríveis visuais e a excepcional trilha sonora. Se tem uma área que não tenho do que reclamar é o aspecto audiovisual do game. A equipe de arte, efeitos sonoros e trilha se sobressaíram. Comparar as imagens da versão de acesso antecipado com a de lançamento é como ver água virar vinho.
Mas, depois de dezenas (ou centenas) de mortes para espinhos, peguei o jeito e fiquei impressionadíssimo em como a Evil Empire conseguiu integrar essa movimentação com mecânicas mais avançadas de “The Rogue Prince of Persia” – algumas delas que considero cruciais aprender se você quiser avançar além da metade do jogo.
Se “Dead Cells” era sobre matar a maior quantidade de inimigos em uma velocidade insana, “The Rogue Prince of Persia” é sobre agrupá-los e utilizar as fraquezas deles contra eles mesmos. Salte por cima da cabeça deles, dê um pontapé, chute-os contra armadilhas, taque-os de penhascos. Quanto melhor você se tornar nisso, mais fácil vai ser despachar a enormidade de inimigos que surgem na segunda metade das runs.
O que sedimenta o sistema como um dos meus favoritos já feitos pela Evil Empire é o “boost” de velocidade e dano que você obtém caso consiga pular ou se agarrar em uma pilastra com o timing “correto”. Quanto mais tempo você conseguir manter essa cadência, mais rápido o príncipe fica e mais dano ele causa.
O sistema em si é enriquecido com as mecânicas de medalhões que atuam como habilidades passivas. A variedade deles é enorme e impressionante, de medalhões que reduzem o custo de energia de certas armas secundárias até aqueles que aumentam a duração do “boost” ao ponto que eu conseguia criar combos que ficam ativos por biomas inteiros.

Uma pena que uma porcentagem da versatilidade das runs de “Dead Cells” foi perdida com a adaptação de muitas mecânicas para “The Rogue Prince of Persia”. Não chega a ser uma perda imensa, mas a variedade de atributos que o jogo anterior oferecia fazia com que até as runs com os piores equipamentos fossem “proveitosas”.
Se os medalhões são um ponto forte, as armas do príncipe são um dos pontos mais fracos. Com a ausência de atributos, você está à mercê do RNG. Eu tive runs em que encontrei armas excelentíssimas logo de cara e as utilizei por boa parte da partida; em outros momentos quase que abandonei runs por conta de armas cujos ataques ou habilidades especiais não me agradavam.
Eu sei que é fácil apontar para mim e falar “Mas Lucas, é assim que um roguelite funciona!”. E eu concordo com você. Eu não espero que toda run seja perfeita ou maravilhosa. Estou mais do que disposto a falhar e morrer. O que me deixa frustrado é que isso podia ter sido mitigado com um sistema de metaprogressão mais elaborado.
“The Rogue Prince of Persia” utiliza duas formas para deixar o príncipe mais poderoso: Soul Cinders e pontos de experiência. As Souls Cinders são obtidas ao derrotar inimigos e chefões específicos e são primariamente usadas para desbloquear novas armas primárias, medalhões, e armas secundárias. Pontos de experiências são ganhos à medida que você elimina inimigos, derrota chefões ou completa quests. Eles são usados em uma árvore de nódulos passivos.
As Souls Cinders são abundantes até nas runs iniciais; já os pontos de experiência que você recebe ao eliminar dezenas de inimigos ou até mesmo completar múltiplas runs é pífio. Em 12h de jogo eu cheguei no nível 10, tudo isso para poder liberar um nódulo que adiciona mais 20 pontos de vida para o meu personagem.
Chamar a árvore de nódulos passivos de inconsistente é ser muitíssimo gentil com ela. O que você prefere: 20 pontos de vida extra ou a oportunidade de começar a run já com um medalhão? Ou, quem sabe, com uma maior escolha de armas? Creio que as melhores escolhas estão mais do que claras.

A sensação que me dá é que a Evil Empire implementou a árvore na tentativa de criar um roguelite que pudesse ser jogado por centenas de horas. E, se for jogar centenas de horas só para desbloquear nódulos como “você agora pode carregar duas poções”, sendo que o jogo é bem generoso com recuperar vida, eu prefiro não jogar.
A implementação do sistema de pontos de experiência me lembra uma conversa realizada pelos criadores de “Roboquest”. A equipe, após atualizar o jogo dezenas de vezes durante o período de acesso antecipado e pós-lançamento, preferiu “parar” de tentar implementar sistemas que estendessem as partidas só para “inflar” o tempo de jogo. Esse inchaço é o que eu sinto quando eu olho para o pontos de experiência de “The Rogue Prince of Persia”.
Ainda bem que não é necessário completá-lo para ver o final ou avançar nas quests. E, se eu tenho uma forte recomendação, é que você nem tente. Foque-se nas armas que você prefere usar e os medalhões que mais se adequam ao seu estilo de jogo.

O deslize final de “The Rogue Prince of Persia” está, infelizmente, nos chefões. Chamá-los de variados é mais do que um exagero. Você tem três chefões principais sem nenhuma alteração a não ser os diálogos que você tem com eles ao completar quests específicas.
Sei que aparento estar sendo duramente crítico com o projeto da Evil Empire, mas para uma equipe que acertou tão, mas tão bem em tantas áreas, errar em conceitos que deviam ser igualmente importantes — nos quais eles já têm experiência — cria uma divergência assustadora.
Vale a pena jogar“ The Rogue Prince of Persia”, mesmo que seja só para ver o final e botar de lado. Ele é delicioso de jogar, o seu sistema de “boost” que enfatiza precisão e os quebra-cabeças que a Evil Empire criou são fantásticos. O seu combate então, nem se fala. Só queria que o mesmo carinho tivesse sido dado para o sistema de meta progressão e uma maior variedade de chefões. Quer se prender por centenas de horas? Vá em frente, só tenha a ciência que você vai ter muito, mas muito grind pela frente
The Rogue Prince of Persia
Total - 8.5
8.5
Evil Empire se sobressai com um fabuloso sistema de movimentação e combate inspirado em “Dead Cells” e refinado para “The Rogue Prince of Persia”. Pena que ele deixa muito a desejar na variedade de chefões e em um sistema de progressão que prefere inflar o tempo do que oferecer recompensas palpáveis. Não abala tanto a sua estrutura, e não espere investir centenas de horas nele, mas ao menos jogue até o final. Isto, eu te garanto, vale a pena.