Produzir uma crítica sobre “Stellaris” – ou qualquer Grand Strategy da Paradox com mais de cinco anos – é olhar para uma colcha de retalhos, e tentar desvendar qual o novo pedaço que foi adicionado, e o que está faltando. Cada expansão é um quebra-cabeça de mudanças que me demora dias para decifrar. “Shadows of the Shroud” (Steam) não é diferente. Uma peça que aparece minúscula, mas que tem um impacto que reverbera no restante do título.
Tomar controle de galáxias, destruir planetas com um último golpe sempre estiveram de alguma forma presente em Stellaris. Seja por meio de bombardeios intensos durante uma guerra, por megaconstruções ou manipulações diplomáticas. “Apocalypse”, de 2018, já dava nas mãos dos jogadores armas poderosíssimas para isso. Pouquíssimo do jogo havia sido de fato intocado por uma mecânica que não houvesse uma via mais destrutiva. Psionics era, até então, a exceção.
Eu sempre a vi como um caminho relativamente “cru” em comparação ao restante do jogo. Criar uma facção que é o equivalente de “magos espaciais” tinha seus benefícios como maior obtenção de matérias-primas e produtos manufaturados, mas os eventos relacionados a eles perdiam, e muito, a força, do mid para o late game. Muitos, incluindo eu, detestavam a aleatoriedade de sua árvore de pesquisa. Não tardou muito para eu sentir o quanto “Shadows of the Shroud” revigorou isto.
A ascensão psiônica agora não é mais uma mera arvore de tradições, mas sim uma completa cadeia de eventos com múltiplos estágios que avançam quase que no mesmo ritmo do restante da partida. Isso pode soar como algo que os torna mais fracos em early game – e algumas estratégias mais conhecidas pela comunidade de fato ficam defasadas –, mas em contrapartida a recompensa se você continuar nessa trajetória é imensa.
A grande adição é a presença do “Além do Véu”, uma nova mecânica que permite você a se conectar com seres enigmáticos de outro plano existencial e cultivar “alianças”. Se é que posso chamá-las disso. Os seres tomam um papel mais de um patrono e colaboram para expandir os seus poderes.

O sistema em si é um dos mais elegantes que já vi em “Stellaris” e não cai no típico “aqui estão novos seres que vão te ajudar a conquistar a galáxia”. Essa, é uma opção muito tentadora, é claro, mas “Shadows of the Shroud” também traz patronos com um grande foco diplomático ou até mesmo que buscam “harmonia” entre as espécies. Foi o que eu tentei na minha primeira partida com a ascensão psiônica.
“Que mal faria eu me comunicar com um patrono que quer nada mais do que harmonia, e tentar projetar essa harmonia para os meus aliados?”, pensei, quase como alguém que nunca havia jogado “Stellaris” antes. Se há uma coisa que “Shadows of the Shroud” faz muito bem, é provar que nada no Grand Strategy é um mero “preto no branco”.
O meu conceito de harmonia era um tanto quanto diferente do meu patrono. Para mim, encontrar harmonia entre diferentes espécies é aclimatá-las e encontrar um “meio-termo” quando possível. Para o meu patrono, era expandir a minha influência por meios diplomáticos e mostrar como os meios dele e do conhecimento “além do véu” eram muitos “superiores”.
Qualquer jogador de “Stellaris” vai e dizer que se tem algo que muitas espécies do game não gostam é de serem forçadas a algo. Embora eu tenha tentado de todas as formas encontrar os caminhos mais diplomáticos possíveis, mais da metade das espécies do jogo me detestavam. Não adiantava presentes, muito menos estabelecer embaixadas. Eles não queriam conversa comigo, e fim. Eu segurei a onda até onde consegui, mas irritei um “Fallen Empire” e isso só pode resultar em algo: guerra. Mas a “sorte”, ou melhor, os buffs, estavam do meu lado
Se no passado usar a ascensão psiônica já era forte, “Shadows of the Shroud” só demonstra a sua “imponência” em comparação a outras tradições de “Stellaris”.
Uma forma de apresentar tal “imponência” é a mecânica de auras psiônicas. À medida que seus líderes meditam e despertam as suas auras, seu império começa a irradiar bônus para o espaço. Aliados obtém de pequenos benefícios, inimigos sofrem penalidades, e vizinhos neutros são afetados indiretamente. As auras podem ganhar uma potência tão forte que começam a alterar o próprio mapa do game.
Agora imagine o império que decidiu me atacar descobrindo que as minhas naves possuem capacidade de regeneração muito maior do que as tecnologias que apareceram em “Biogenesis”.

Toda vez que as naves inimigas entravam nas galáxias controladas por mim, recebiam tanto atrito e penalidades para os seus escudos que plataformas de defesa eram suficientes para destruir frotas menores. Eu, em meio a isso, dividi a minha frota principal — que, por sinal era um deleite de se ver graças aos novos visuais para as naves psiônicas —, em três frotas e abocanhei o que podia do império antes dele pedir um cessar fogo.
Se por acaso aparenta que “Shadows of the Shroud” é voltado em demasia para mecânicas, é porque eu não quero estragar os eventos narrativos. Ele é, de longe, um dos DLCs mais ricos em narrativa e tramas interessantes que a Paradox lançou em um bom tempo. Eu o coloco no mesmo patamar de “Machine Age” e bem perto de “Utopia” — um DLC que eu considero praticamente “essencial” de se ter caso queira apreciar tudo que “Shadows of the Shroud” tem para oferecer.
O que eu não posso falar que está no mesmo patamar são as novas origens, o novo sistema de “End of Cycle”, e algumas das civics inclusas no DLC.
As origens em si possuem problemas em duas esferas: Elas em si, e a atualização 4.1 que acompanhou o DLC. Vide a Origem “Shroud-Forged”. Exclusiva para impérios de máquinas, ela é o caminho mais direto para ascender e encontrar um dos seres “Além do Véu”. No entanto, o custo disso é altíssimo pela necessidade de transformar boa parte da sua população em uma elite psiônica que só traz gastos de materiais.
E, como ter habitantes máquinas iria prejudicar ainda mais o progresso de ascenção, eu tive que interromper a construção de novos habitantes. Isso não é um problema em outros tipos de impérios, mas no caso das máquinas, é o equivalente a “parar” todo o processo industrial e o que as torna tão interessantes de jogar. Sem contar o fato que eu quase fui a falência múltiplas vezes. “Agradeço” em específico os piratas e o leviatã que decidiu surgir ao lado da minha capital.

O que selou o meu destino foi que, após a ascensão e escolher um patrono – desta vez, o patrono da guerra – os buffs não serviam de nada. Minha economia não sustentava a minha elite psiônica, e as novas tecnologias não conseguiam ser implementadas nas minhas naves pela falta de materiais. Não tardou para que um império inimigo visse a minha fraqueza e declarasse guerra. Sabia que não tinha como ganhar e dei por encerrada a partida.
A Origem “Mindwarden” foi um pouco mais interessante, já que o principal propósito deles é destruir qualquer traço do “Véu” da galáxia. Essa origem é bastante focada em entrar em guerra quase que constantemente. Você já começa sendo odiado por aqueles que ovacionam o “Véu” e as coisas só vão piorar à medida que você explorar a galáxia e, eventualmente entrar em guerra com eles. É a origem que tem a menor quantidade de eventos narrativos, quase que uma antítese a premissa de “Shadows of the Shroud”. Eu não sou contra a guerra em “Stellaris”, sinto que o “Mindwarden” foi uma oportunidade perdida.
Os “Endbringers” era para ser a minha origem favorita. O que mais fascinante do que controlar um culto que almeja espalhar o “Véu” pela galáxia antes que a sua existência acabe? O sistema “End of Cycle” e uma boa dose de bugs.
O sistema em si é uma repaginação do que estava presente em “Utopia” e agora possui o que a Paradox chama de “Aura of the End”. Em suma, você troca materiais por poderes especiais que dão buffs a sua aura psiônica até transformar planetas inteiros. Entretanto, o sistema em si requer uma dose extra de microgerenciamento, já que qualquer mudança na absurda quantidade de materiais e o avanço do “fim dos tempos” significa que você pode perder a oportunidade de ativar um dos buffs. Para um jogo que já está mais do que saturado de microgerenciamento, jogar com ela deixou um gosto amargo na minha boca. Só não mais amargo que, como disse acima, os bugs que presenciei na versão 4.1.

Pelo visto o lançamento de “Biogenesis” não ensinou nada à Paradox. “Shadows of the Shroud” é mais um DLC em que me arrependo de não ter esperado uma ou duas semanas para apreciá-lo de verdade. Na minha partida com os “Endbringers” eu não consegui ativar dois buffs pois o jogo indicava que eu não tinha materiais suficientes, mesmo que o ícone apontasse que eu possuía o dobro. Quem estava certo? Até agora não sei.
A contagem populacional – um problema que vem dando as caras desde a versão 4.0 – retorna mais uma vez para gerar dores de cabeça. Se você por um acaso jogar com a tradição psiônica e notar que parte da sua população desapareceu, não está gerando produtos, ou por um acaso não está sendo contabilizada pelo jogo, não se assute, é um bug. Um que não deveria ter sido lançado com a atualização.
O lado positivo é que os dois problemas citados acima já foram corrigidos na versão 4.2 – atualmente em beta durante a confecção dessa crítica. Ao menos a Paradox foi “ágil”, mas isso para mim não é “desculpa” o suficiente. A desenvolvedora está mais do que ciente dos problemas de “Stellaris” no seu escopo atual, e eu prefiro um DLC que atrase do que um que saia nesse estado. Acaba que esses pequenos (grandes) problemas tiram o brilho do que é para ser um momento de “celebração” da comunidade.
Reitero que “Stellaris” permanece de longe o melhor Grand Strategy do portfólio da Paradox, “Shadows of the Shroud” — com todos os seus pesares — prova isto. A ascensão psiônica está bastante desequilibrada para aqueles que jogam multiplayer, mas ainda assim é um bom DLC para aqueles que já possuem “Utopia” ou que querem novas maneiras de explorar a galáxia.
Stellaris: Shadows of the Shroud
Total - 8.5
8.5
: “Shadows of the Shroud” é mais do que um prato cheio para quem quer ser um “mago espacial” em “Stellaris”, é uma tremenda repaginação de uma das ascensões que mais precisava de atenção. Infelizmente, parte do seu brilho é apagado por origens medianas e uma gama de bugs irritantes.