Eu sinto saudades do meu PlayStation VITA. Ele é um dos meus portáteis favoritos seguido do Nintendo DS e do PSP. Foi nele que eu investi horas em jogos rítmicos como a franquia DJ Max. Conheci Monster Hunter e me apaixonei pela franquia. Foi também onde eu encontrei o que poderia ser a “evolução natural” dele, o exclusivo “Freedom Wars”. Meu VITA deixou de funcionar do dia para a noite e nunca consegui completar o game. Agora, quase uma década depois, “Freedom Wars” finalmente é libertado da sua jaula na forma de “Freedom Wars Remastered” (Steam / PlayStation 4 e 5 / Switch).
Para a sua era, “Freedom Wars” estava muito à frente do seu tempo. Enquanto “Monster Hunter” lutava para encontrar uma narrativa mais coesa e interessante, a Dimps – que posteriormente trabalhou na série “Sword Art Online” – estava em outro patamar.
A primeira delas é a peculiar intersecção entre um mundo distópico em que o restante da sociedade entre si pelos poucos recursos que ainda existem, e o humor ácido o qual a Dimps deita e rola para apresentar esse mundo para o jogador.
Humanos se uniram em cidades conhecidas como panópticos. Analogias aos conceitos foucaultianos e o sistema prisional estão espalhados por toda a narrativa e atmosfera do jogo. Os resquícios de classes sociais são separados entre a “alta sociedade” por assim dizer, e os pecadores. O menor ato de transgressão é considerado um pecado. E, o personagem com que você joga, cometeu um dos piores possíveis, amnésia no meio de uma missão.

É uma desculpa “perfeita” para o jogo permitir você criar um personagem do “zero”, mas também demonstrar a absoluta “insanidade” que é o universo de “Freedom Wars”. Imagine ter uma sentença de um milhão de anos e ser avisado disso por um simpático mascote chamado Percy Propa. “Pelo bem maior!”, diz ele após anunciar a minha sentença com uma carinha triste e lembrar que se eu fizer tudo “direito” um dia, quem sabe, eu estarei “livre”.
A Dimps até tenta um comentário sobre questões relacionadas ao sistema prisional. Embora você ganhe mais “direitos” à medida em que você completa missões e “paga” a sua sentença, ele nunca te mostra a imagem completa do atual estado da Terra e se o que te falam é verdade ou não.
Boa parte do conhecimento que você adquire vem por meio dos seus companheiros, que alternam entre os mais sérios possíveis e “palhaços” que não levam nada a sério. Um amontoado de certos estereótipos, mas funciona. O humor ácido, que mencionei, vem à superfície nessas interações. Piadas sobre o atual estado da humanidade, outros que não veem motivo para continuar a seguir as ordens ou muito menos viver. Até mesmo personagens secundários tem diálogo suficiente para dar uma alfinetada sobre viver em uma sociedade em constante vigilância ou te fazer rir com as demandas absurdas deles.
Mas, pelo foco de “Freedom Wars” ser o combate, a trama central toma uma guinada para o “nós contra eles”, e não necessariamente digo contra as pessoas que controlam o seu panóptico. Quando o joguei pela primeira vez no VITA, sequer cheguei a essa parte, então ver a trama se desenrolar de um jeito muito diferente do que eu esperava foi inesperado e um pouco decepcionante. O final também deixou um gosto amargo na minha boca, trazendo mais perguntas do que respostas e muito potencial para uma sequência. Que, convenhamos, se demorou quase 10 anos para ele sair do VITA, não imagino ter as respostas tão cedo.

O que não é decepcionante, no entanto, é a sua jogabilidade que continua primorosa mesmo quase 10 anos após o lançamento.
O motivo de eu ter caído de amores por “Freedom Wars” veio da sua jogabilidade frenética comparado com outros jogos no estilo “Monster Hunter” do período. Seu personagem possui uma habilidade especial que o permite usar espinhos para saltar pelo mapa de uma forma assustadoramente ágil. Armas de vários calibres podem ser utilizadas em conjunção com espadas de pequeno a grande porte. Pode soar “datado” ou “velho” quando hoje em dia há jogos como “Monster Hunter: Rise” ou o futuro “Monster Hunter: Wilds” que adicionaram mecânicas para facilitar a exploração de mapas, mas “Freedom Wars” ainda tem a minha preferência dado a variedade de missões.
Até hoje eu não encontrei um jogo que me coloca contra um grupo “oponente” e eu tenho que, ao mesmo tempo lutar contra monstros gigantes conhecido como “Abdutores”, resgatar habitantes do meu panóptico e impedir que eles sejam sequestrados por tais “oponentes”. Cada missão – seja ela no modo história ou não – gera uma tensão incrível. E é neste ponto que a Dimps focou os esforços da versão “Remastered”.
A remasterização conseguiu, em grande parte, traduzir a jogabilidade do VITA para uma tela grande sem muitos esforços ou sacrifícios. Muitas funcionalidades que no VITA eram relegadas a parte “touch” – como definir estratégias para o seu aliado de IA no combate – são facilmente acessadas pelos botões do controle. Os comandos estão bem mais responsivos e as chances de você acertar uma parede sem querer quando está carregando um cidadão nas missões de resgate agora são próximo de zero.
Outras partes, no entanto, mereciam um pouco mais de carinho e cuidado. A minha principal crítica está na interface, que faz questão de me lembrar que a versão original de “Freedom Wars” foi feita para um portátil com uma tela pequena. Menus imensos, as vezes obtusos demais e uma navegação sofrível e sobrecarga de informações são a regra durante as horas iniciais do game.

Não chego a dizer que a curva de aprendizado é dolorosa, mas é lenta demais, e uma que muito bem poderia ter sido refinada durante o processo de remasterização do jogo. Um ponto que chega a ser irônico já que a própria Dimps reajustou o sistema de criação e construção de armas, reduzindo consideravelmente os elementos “aleatórios” e removendo a necessidade de você criar dezenas de armas até que uma delas tenha atributos melhores do que a sua arma atual. Em uma era que eu estou evitando “perder” tempo – como pontuei na minha retrospectiva de 2024 – com jogos “Games as a Service”, é uma mudança crucial para eu apreciar ainda mais “Freedom Wars: Remastered”.
Mas o verdadeiro triunfo de “Freedom Wars: Remastered” não está necessariamente em seu modo single-player, que é fantástico, mas no online. A incrível variedade de modos, das tradicionais missões de resgate ou eliminação de monstros, a embates PVP o colocam o título frente a frente com os seus contemporâneos.
Em que outro jogo você tem que coordenar como atacar ou criar pontos de afunilamento para eliminar outros jogadores? Piscava os olhos e quando menos percebia algum cidadão do meu panóptico estava sendo sequestrado. Eu e um grupo de jogadores pulávamos no inimigo e tentávamos resgatá-lo das mãos do “vilão”. Fomos pegos de surpresa por torres fixas, por armadilhas bem-posicionadas ou rajada de miniguns que nos fizeram recuar ou falhar a missão quase que imediatamente. Me dei por satisfeito? Não, e lá fui eu e outros jogadores para mais uma tentativa.
O trabalho da Dimps em querer abraçar a maior variedade de modos possíveis, e conseguir fazer isso sem sacrificar qualidade é um feito de tamanha imensidão que eu não consigo imaginar isso ser replicado 10 anos depois. De quebra, a qualidade na conectividade e facilidade de encontrar grupos – seja via grupos no Discord ou pelo matchmaking – está muito melhor do que as minhas tentativas pífias do VITA em que 4 de 5 partidas acabavam em erros de conexão.

Até durante a confecção dessa crítica eu tenho pelo menos cinco ou dez partidas agendadas para os próximos dias. Ainda tenho muito o que “ralar” para completar todos os objetivos de “Freedom Wars: Remastered” e poder jogar com outras pessoas online sem ter dores de cabeça é uma gigantesca felicidade para mim.
Não é à toa que “Freedom Wars” foi tão bem recebido no VITA. Agora que eu pude completar a sua história, explorar o modo multiplayer sem problemas de conectividade e não ter quer forçar a minha vista por conta de uma tela pequena, ele bate de frente com muito jogo contemporâneo.
A sua ambientação ainda é singular e merece atenção, a narrativa – ainda que tropece no final – é bem acima de outros jogos do gênero e o seu combate é tão intenso quanto eu me lembrava. Torço que o remaster de uma nova vida e abra as portas para mais pessoas apreciarem esse clássico.
E se você tem o menor interesse em jogos no estilo “Monster Hunter”, “Freedom Wars Remastered” é mais do que uma recomendação, é uma obrigatoriedade tê-lo em sua biblioteca para ver como o gênero evoluiu e a conexão entre jogos mais mecanicamente “lentos” e a flexibilidade de movimentação da atualidade.
Freedom Wars Remastered
Total - 9
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Total
Os quase 10 anos desde o lançamento original mostram que “Freedom Wars: Remastered” não é só um baita clássico, mas um jogo que consegue bater de frente com os seus contemporâneos. A ambientação sem igual, o combate espetacular e a incrível variedade e complexidade de seus modos online o tornam essencial para fãs de jogos como “Monster Hunter” ou similares. Torço para que isso abra a porta para uma possível sequência que finalmente dê as respostas que a trama deixa – e muito – em aberto.