Você já começou a jogar algo e nos primeiros cinco minutos pensou “Que jogo maravilhoso”, depois de duas horas refletiu e disse “Pera aí, ele não é tudo isso”, só para depois querer “só mais uma run”? e no fim desistir? Pois então, essa foi a minha bizarra interação com “Flick Shot Rogues” (Steam).
O projeto da Butter By The Fish me chamou a atenção ao se destacar do mar de “roguelites com alguma mecânica monótona de metaprogressão”, pela sua fisicalidade. Ao invés de somente “atacar” com os bonecos, eles aparecem no campo de batalha como “peças” que você tem que dar “petelecos” para movê-los ou atacar.
Pense em um jogo de sinuca visto de cima, mas que as bolas são os mais diferentes tipos de inimigos. Caranguejos, macacos que aprenderam a manusear espadas, e polvos gigantes que disparam gosmas em cima de você. Não me pergunte como polvos vivem fora d’água.
Quem acompanha o site de perto vai notar certas similaridades com jogos como “Rack and Slay”, e as mecânicas em si são relativamente similares. Cada run começa com você selecionando dois personagens que vão compor a sua equipe, um tende a ser o personagem “principal” e o outro um personagem “complemento”, por assim dizer. No começo de cada turno você seleciona o personagem que você quer atacar, ajusta a sua mira e o dispara contra o inimigo. No entanto, ao invés de somente causar dano direto, você aplica algum tipo de efeito.

A “Swashbuckler”, uma das personagens iniciais, é capaz de queimar os inimigos quando os ataca, e quanto mais vezes atacar o mesmo inimigo, mais dano de fogo ele recebe. Já o “Klabautermann” gira seu machado-canhão e planta bombas nos inimigos. A cada turno que passa, maior são as chances dessas bombas explodirem e causar um dano em área.
“Ah Lucas, então tudo o que eu preciso fazer é mirar nos oponentes, acertar eles e pronto”? Pelo contrário, se fosse desse jeito eu imaginei que ia ter deixado o jogo de lado na minha terceira run. A Butter By The Fish não é boba, e transforma cada mapa de batalha em um gigantesco quebra-cabeça que raramente você vai superar de primeira. Esse elemento de quebra-cabeça, acaba sendo prejudicado à longo prazo. Mais sobre isso em breve.
A maioria das arenas é separada por duas ondas de inimigos. Embora você não precise eliminar todos os adversários, você obrigatoriamente tem que eliminar o “líder”, marcado com um contorno dourado. Chegar até ele, ou até mesmo causar dano, é outra história.
Tais líderes tendem a ter múltiplos tipos de ataques, diferentes “fases” à medida que tomam dano, modificam o tabuleiro para as “regras deles” ou invocam novos inimigos para te atormentar.

Esse é praticamente o “arroz com feijão” de cada um dos biomas de “Flick Shot Rogues”. Se você não se acostumar com a ideia de que você vai ter que lidar com quebra-cabeças ao invés de um jogo quase que inteiramente focado em “dano puro”, você vai ter uma péssima experiência com o game.
Foi o que eu senti durante as minhas primeiras runs – e o que quase me fez abandonar o jogo. Eu tentei uma abordagem direta, de não pensar muito em sinergias e apenas usar um dos personagens para atacar. Assumo que parte foi minha culpa, mas o game também não colabora pela carência de tutoriais mais elaborados acerca dos seus principais sistemas.
Até agora me pergunto como eu passei do primeiro bioma sem desistir. Imagine, por um instante, alguém que vê pelo menos 10 inimigos na tela e pensa “vou atacar só o líder para ver o que acontece”. Se isso não é uma receita para falhar miseravelmente em uma run, eu não sei o que é.
Não quer dizer, no entanto, que essa não é uma estratégia válida, só uma que não vai funcionar no começo de “Flick Shot Rogues”. Quanto mais você avançar nos biomas, mais personagens vai desbloquear e mais sinergias encontrar. O que é igualmente uma dádiva e uma maldição para o roguelite.

O que ocorre é que, a versão atual usada para a confecção dessa crítica, não faz um bom uso da “dualidade” dos personagens. Quanto mais eu avançava e mais chefões eu derrotava, mais habilidades passivas eu via para o meu personagem principal, mas poucas que faziam uma sinergia com o meu secundário a ponto de usá-lo quando eu sabia que uma “tacada” não ia sair como eu gostaria.
Um elemento que reduz ainda mais a importância do personagem secundário é o uso de uma barra de vida e escudo compartilhada. Pouco importa quem vai tomar dano, se esse dano é praticamente igual.
A Butter By The Fish tenta mitigar a predominância de um personagem com um limite de habilidades passivas, mas esbarra em outro problema. Quando você encontra uma sinergia muito boa, ela funciona muitíssimo bem, mas elas são as exceções ao invés da regra.
As melhores sinergias entre personagens que encontrei tinham mais a ver com o meu personagem secundário ser usado como uma “armadura” contra as dezenas de ameaças e “armadilhas” dos mapas avançados do que o tornar uma outra fonte de dano.

É frustrante escrever esse tipo de crítica, pois é mais do que notável o quanto a Butter By The Fish se esforçou em criar mapas fantásticos, armadilhas que os transformam em quebra-cabeças onde o menor erro pode te custar uma run. Mas quando você tem um personagem primário tão potente, a estrutura do mapa acaba em segundo plano e às vezes, a força bruta é a melhor solução.
Eu não quero dizer que “Flick Shot Rogues” seja impossível de ser “consertado” – um termo que eu, pessoalmente, detesto usar. Mas, na atual conjuntura, ele é um roguelites com ótimos visuais, com uma premissa deliciosa, mas que deixa todos esses elementos apenas no reino da teoria. A prática o transforma em um jogo que começa morno, esquenta, e depois esfria. Não é o que eu espero de um roguelite.
Flick Shot Rogues
Total - 6
6
“Flick Shot Rogues” vem cheio de ótimas ideias, mas poucas delas são aplicadas na prática. A limitação de dois personagens por combate é interessante de início, mas o jogo te direciona demais a deixar um personagem forte e o outro como um “secundário”. Faltam sinergias impactantes, e as poucas que estão presentes, só enraízam a ideia do personagem secundário se transformar em uma armadura. Vale pelas mecânica inusitadas, e nada mais.