Sabe a velha história de “ideia todo mundo tem, transformá-la em algo concretoé que é o desafio?”. Essa frase me veio continuamente na cabeça toda vez que eu iniciava uma partida de Wrecreation (Steam / Playstation 5 / Xbox Series S/X).
O projeto da Three Fields Entertainment, formada por ex-desenvolvedores de “Burnout” e “Burnout: Paradise” tem uma proposta clara: ser um gigantesco “parque de diversões” onde você pode criar qualquer tipo de corrida. De corridas mais tradicionais até desafios como corridas no “céu”, loops e mais loops. Tudo isso com uma boa dose de pancadaria e destruição.
Eu tinha “comprado” a ideia desde que vi o trailer de anúncio. Sei muito bem o quanto tempo eu investi em “Trackmania” e no seu criador de pistas. Um jogo de mundo aberto que me permitisse ainda mais liberdade e flexibilidade seria um sonho realizado.
Esse sonho se manteve aceso durante os momentos iniciais do game, no qual eu fui jogado em uma corrida contra outros pilotos — controlados pela IA — em uma pista aérea com os mais diferentes saltos e obstáculos. “Nossa, é isso que faltava na minha coleção de jogos de corrida”, pensei antes mesmo de terminar a primeira partida. Eu estava eufórico com as possibilidades, com o que “Wreckreation” tinha a me mostrar.
Assim que ela acabou o jogo me direcionou para o seu mapa aberto, e de pouco em pouco a realidade começou a tomar conta. A ilha sem nome na qual “Wreckreation é ambientado” é repleta de retas, curvas sinuosas, estradas com várias faixas que se intercalam em áreas de terra batida. Em um ponto a Three Fields Entertainment acertou em cheio: a sensação de velocidade.

Mesmo no veículo inicial eu já sentia aquela gostosa tensão de cortar pelo tráfego – algumas vezes repleto de veículos, outras vezes mais vazio. A desenvolvedora não tem medo de colocar vans, caminhões ou outros veículos longos para “atrapalhar” a sua jornada, um gigantesco contraste se comparado a outros jogos como “Forza Horizon” ou “The Crew”.
No entanto, à medida que eu explorava o mapa, por mais que eu ficasse impressionado com o seu tamanho, eu sentia falta de um elemento crucial: locais memoráveis.
A Three Fields Entertainment até tenta criar áreas que, supostamente, funcionariam como um bom ponto de encontro para o modo online (mais sobre ele em breve), mas eles são, no máximo, medianos. Uma pista de corrida, um aeródromo e um ferro velho são alguns que me vem à mente. “Wreckreation” não tem uma cidade ou sequer um semblante de uma. O máximo que eu encontrei foi um cruzamento com alguns prédios de três andares, um hospital e alguns postos de gasolina. Por que há dois postos de gasolina um do lado do outro? Eu não tenho a menor ideia, mas deve fazer sentido na cabeça da Three Fields Entertainment.
Independentemente de ter dois ou três postos de gasolina um ao lado do outro, o mapa de “Wreckreation” acaba trazendo uma forte sensação de repetitividade. Áreas vastas de florestas, rodovias que eu senti que já havia visitado só para notar no mapa que ela era uma área completamente nova. Um mapa tão “genérico” desemboca em um dos maiores problemas de “Wreckreation”. Corridas genéricas.
A corrida mais memorável que eu tive durante as minhas horas com “Wreckreation” foi a corrida inicial. Afinal, foi a única que utilizou pistas aéreas, loops e saltos mirabolantes. O restante das corridas produzidas pela Three Fields Entertainment passa muito longe desse conceito. Espere a sua tradicional corrida em circuito, corridas ponta-a-ponta e uma pitada de corridas off-road na tentativa de trazer variedade.

Elas não são ruins em si. Como apontei antes, o senso de velocidade de “Wreckreation” é fantástico, e quando uma corrida ponta-a-ponta estava no seu ápice, eu estava me divertindo. Isto é, até ser trucidado pela IA ou perder o controle do meu veículo sem algum motivo aparente.
A IA de “Wreckreation” é um tanto quanto… temperamental. Em certos momentos ela irá ser desafiadora o suficiente para garantir que você aprenda quando frear (não espere algo no estilo Assetto Corsa, o título da Three Fields Entertainment é o mais puro arcade), mas em outros momentos ela vai perder o controle dos veículos e simplesmente bater na árvore mais próxima, tornando até as corridas mais desafiadoras um festival de tédio.
Imagine uma corrida ponto-a-ponto que cruza o mapa inteiro e, quando você vê, está sozinho na pista pois o restante dos oponentes ficou para trás após bater dezenas de vezes neles mesmos ou em árvores. Às vezes eu sentia que eu competia comigo mesmo. Isto é, se quando eu não estava competindo com os controles do jogo.
Ainda que “Wreckreation” ofereça um incrível senso de velocidade, controlar os veículos varia entre “excepcional” a “terrível”. Cada carro é separado em várias categorias, dos brutamontes – ótimos para jogar oponentes fora da pista no melhor estilo “Burnout” – até os hyper que são focados em serem os mais rápidos possíveis.
Quando eu estava pilotando um dos brutamontes, eu sentia que estava no completo controle do meu carro, que cada movimento que fazia era traduzido muito bem para a tela. A história era bastante diferente com veículos mais ágeis, que derrapavam à torto e a direito na pista sem motivo aparente – até mesmo em retas. O que piora a situação é que “Wreckreation” usa muitas mecânicas de “Burnout” como base para a sua jogabilidade arcade, ou seja, você ganha boost ao bater em outros oponentes, se esquivar de veículos que estão na contramão ou ultrapassagem arriscadas. Agora imagine fazer isso com um carro que sequer fica em linha reta por mais de alguns segundos na pista. Chamar de frustrante é pouco.

Há momentos que o jogo tem seus momentos de brilhantismo, como os eventos “Road Rage”, cujo principal objetivo é detonar carros-alvo. São nesses eventos que a Three Fields Entertainment mostra que entende o que fazia “Burnout” ser tão divertido, mas a quantidade limitada desses eventos os tornava mais a exceção do que a regra.
Eu estava disposto a ignorar esses problemas se a peça-chave de “Wreckreation” fosse tão inspiradora quanto ela aparentava ser nos trailers: o seu construtor de pistas. Intitulado “Live Mix”, você pode entrar no modo construtor de pistas e inserir rampas, loops e adereços engraçados em praticamente qualquer lugar e a qualquer momento.
Quando eu penso em um construtor de pistas, penso em algo no estilo “Hot Wheels Unleashed”, ou até mesmo o clássico “Stunts” – que mostrou para mim quando era novo a possibilidade de ferramentas de criação. “Wreckreation” não chega nem perto deles.
Ao invés de ser uma tela separada, toda a construção de pista é feita diretamente do mapa. Aperte um botão e uma rampa aparecerá no meio de uma rodovia, clique outra vez e o jogo vai completar com a peça subsequente necessária e por aí vai. É interessante de se ver de um ponto de vista técnico – são raros os jogos capazes de fazer uma criação de pista tão dinâmica quanto “Wreckreation”, por outro lado, a criação é um tanto quanto “limitante”.
Para começo, a câmera é horrível de controlar, ainda mais se você é como eu e quer criar pistas longas que cruzem o mapa todo ou tenham uma quantidade de loops. Não há uma visão “aérea” ou uma visão “top-down” que facilite a construção delas. As peças iniciais que o jogo te dá são um tanto quanto limitantes — o restante sendo liberado via corridas ou ao encontrar colecionáveis no mapa. Resultado? As minhas pistas mais ambiciosas tinham um loop, muito longe do que eu queria ter feito em “Wreckreation”.

Por outro lado, fico aliviado que não tentei ser mais ambicioso, pois a própria IA não tinha a menor ideia de como dirigir nas pistas criadas por mim, embora a Three Fields Entertainment ter comentado múltiplas vezes que esse seriam um dos componentes principais de “Wreckreation”.
Eu passei 40 minutos tentando produzir uma pista mais elaborada, com saltos e outros nuances. Assim que criei a minha corrida ponta-a-ponta, todos os veículos controlados pela IA se tacaram na primeira curva direto para o precipício. Olha, eu sei que eu não sou o melhor construtor de pistas, mas fazer isso é no mínimo rude por parte da IA. “Talvez as coisas melhorem no modo online”, eu pensei comigo mesmo. Ledo engano.
Um dos pontos que eu estava empolgado para testar de “Wreckreation” era a junção do “Live Mix” com as partidas online. Há de imaginar que um jogo com tamanha ênfase em ser um “parque de diversões” ia ter um forte componente multiplayer, certo? Errado.
O modo online de “Wreckreation” é assustadoramente decepcionante. Você pode visitar os mundos de outros jogadores e torcer para que eles tenham criado uma pista personalizada. Não existe curadoria por parte da Three Fields Entertainment, não há “mundos em destaques” ou algo do tipo. A não ser que você conheça outra pessoa que esteja jogando e decida colaborar para criar uma pista, você vai ficar a ver navios.

A maioria do meu tempo no modo online de “Wreckreation” foi realizando corridas ponta-a-ponta criada por outros jogadores. Em raros momentos outros jogadores participavam delas, mas em boa parte era a IA que estava como o meu oponente. A mesma IA que me decepcionou tanto no modo “solo”.
Como eu apontei no começo do texto, o conceito de “Wreckreation” não é ruim em si. Ele tem o potencial de preencher o buraco deixado por “Burnout”. O senso de velocidade é incrível, jogar um carro para fora da pista ainda é divertidíssimo — ainda mais nos eventos “Road Rage” — mas todo o restante é uma gigantesca decepção. Da IA fraca até o terrível construtor de pistas.
Pode ser que algumas atualizações melhorem “Wreckreation”, e a equipe já listou uma série de melhorias para as próximas semanas. Mas, depois de ver o quão pouco ele me incentivou a criar, acho melhor baixar – e muito – as minhas expectativas. Não é dessa vez que teremos o tão aguardado sucessor espiritual de “Burnout”.
Total - 5
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“Wreckreation” traz um ótimo senso de velocidade, uma boa dose de destruição e uma gigantesca promessa de flexibilidade e criatividade. Entretanto, o seu construtor de pistas é terrível de se usar; junto de uma IA falha e um modo online decepcionante, ele fica muito longe de ser o sucessor espiritual de “Burnout” que eu tanto queria.

