Eu não me vejo como uma pessoa supersticiosa. Mas, nos últimos sete anos que venho cobrindo jogos em VR, os supostos “grandes títulos” do ano são quase sempre lançados com uma gama de problemas. Ocorreu com “The Walking Dead: Saints & Sinners 2”, “Bonelab”, e “Behemoth”. 2025 era para sair ileso da lista até eu jogar “Reach” (SteamVR / Quest 3 / PlayStation VR 2).
A nDreams já havia ganhado a minha admiração com “Fracked”. Embora não tenha sido revolucionário no PC – que já contava em 2022 com jogos como “Half-Life: Alyx” –, mostrou que a desenvolvedora sabia fazer algo muito bem: um jogo de ação que equilibrava imersão, acessibilidade e cadência. Elementos que foram elevados a um novo patamar com “Synapse” — exclusivo do PSVR2.
Claro que as minhas expectativas estavam lá em cima para “Reach”. A desenvolvedora o auto classificou como o projeto mais “ambicioso” dela. Um sistema de “parkour”, uma história mais elaborada e um sistema de combate praticamente repaginado.
O jogo começa com a protagonista Rosa sendo perseguida por uma organização misteriosa. “Ah, então voltamos para as perseguições de ‘Fracked’”, pensei. A nDreams claramente estava usando os seus fortes para causar uma forte impressão, e conseguiu.

Se “Fracked” foi um esboço, “Reach” é o desenho completo no que tange movimentação. A nDreams se sobressaiu com controles consistentes, um sistema “parkour” que permite você se agarrar a múltiplas superfícies e saltar delas com muita facilidade.
Como todo jogo em VR, há um período de ajuste, ainda mais por usar mecânicas mais “complexas” como a necessidade de impulsionar o seu braço direito ou esquerdo e apertar um botão na hora de pular. O tutorial faz um trabalho competente de ensinar os nuances, mas quem está há meses sem encostar em um óculos de realidade virtual pode sentir um pouco de enjoo. No entanto, as opções de conforto são extensas (vinhetas, redução de desfoque de movimento), e basta uma hora com o jogo e você sentir que muito da movimentação e interação é quase que “natural.
O que tinha me preocupado inicialmente foi a implementação de um avatar de corpo inteiro. Eu sou um daqueles que ainda tem uma gigantesca relutância sobre o uso desse tipo de elemento em favor de “imersão”. Sempre desativo quando possível — como fiz nos dois “Into the Radius”. Depois de jogar os capítulos iniciais de “Reach”, que não conseguia imaginar o jogo sem o avatar. Afinal, não há nada mais desesperador do que ver o seu corpo balançando enquanto você está pendurado em um poste à beira de um precipício.
Se você imaginou que a perseguição citada acima terminou em um precipício, não podia estar mais errado. Para evitar spoilers da missão inicial, vou apenas dizer que os momentos de ação mais frenética como vistos em “Fracked” são muito mais espaçados em “Reach”, com uma boa parte do jogo voltada para a exploração do cenário e a solução de quebra-cabeças.

O precipício em si foi causado por um terremoto, que faz com que um pedaço gigantesco da cidade sucumba e leva você junto. Um deleite visual em realidade virtual. É agoniante, desesperador e assustador ver prédios racharem ao meio, buracos aparecerem no chão e engolirem carros, caminhões e tudo o que estiver na frente deles.
Esse terremoto é que dá o pontapé inicial para a verdadeira trama de “Reach”, uma antiga civilização que estava escondida no subsolo da cidade e que, supostamente, prosperava há milênios debaixo do nariz de toda a humanidade. Não preciso dizer que eles não são amigos da protagonista, certo?
Os guardiões dessa civilização — se é que posso chamá-los disso, vão ser os seus principais oponentes por boa parte da jornada de “Reach”. Embora não sejam tão variados, a IA deles é mais do que competente – uma boa surpresa nos tempos atuais. Eles não hesitam de tentar te tirar da zona de conforto, te flanquearem e usar todo o arsenal deles para aniquilar você.
Eu estava mais do que pronto para explodir de elogios sobre o combate de “Reach”, mas esse momento nunca se materializou. Até mesmo em comparação com “Fracked”, o jogo é um gigantesco retrocesso em termos de combate e variedade de armamentos.

A sua principal arma é um arco, usado tanto para eliminar os inimigos como para resolver quebra-cabeças (mais sobre isso em breve). Mesmo depois de ter terminado “Reach”, eu nunca me senti, de fato, confortável em manipulá-lo. Ele ocupa espaço demais da tela, e mirar em inimigos é um teste de paciência. Muitas vezes o jogo não levava em conta a “intensidade” que eu puxava a corda e minhas flechas caíam quase que diretamente nos meus pés.
Minha segunda opção era usar as armas dos inimigos. Elas mantêm a altíssima qualidade visual pela qual a nDreams ficou conhecida nos últimos anos, mas peca severamente no que tange o áudio e manuseio.
Para uma civilização que, supostamente, é muito mais avançada do que a humanidade, as armas terem efeitos equivalentes a um brinquedo não “vende” essa ideia. A ausência de uma mira também prejudica muito a capacidade de mirar nos inimigos de forma consistente. Talvez os guardiões tenham habilidades que a protagonista carece, mas não justifica a falta de atenção nessa área. Isso sem contar que as armas “quebram” depois de três meros disparos e você é forçado a voltar a usar o arco e flecha.
Ainda mais que, a partir de um ponto do jogo você ganha novos equipamentos que me fazem questionar ainda mais o porquê da principal arma de Rosa ser tão difícil de usar. O meu equipamento favorito de “Reach” é, de longe”, o escudo. Além de uma excelente ferramenta de defesa, você pode arremessá-lo no melhor estilo “Capitão América”, seja para eliminar inimigos, seja para congelá-los em seu lugar e matá-los de vez com o arco e flecha.

É frustrante de ver, pois é perceptível que a nDreams criou arenas de combate que, em teoria, seriam muitíssimos bem aproveitadas lado ao lado do sistema de movimentação.
Há, por exemplo, a possibilidade de se pendurar ou usar dispositivo para pular entre barras e saliências nas paredes – perfeito para pegar os inimigos desprevenidos. Consigo contar a quantidade de vezes que consegui fazer uso dessas mecânicas sem estatelar a cara no chão. Digo, no jogo, eu felizmente não me machuquei enquanto jogava “Reach”.
Ironicamente, as partes de “Reach” que mais ressoaram comigo foram as que eu menos esperava: quebra-cabeças. Eu não sou lá um grande fã de quebra-cabeças em VR, a maioria deles se resumem em “vá até um lugar e aperte um botão ou puxe uma alavanca”. A mobilidade que a nReach criou para o jogo os torna muito mais envolventes e a contextualização deles na história é mais “realista”.
Eu me senti muito mais realizado quando consegui encontrar o melhor caminho para alcançar uma plataforma que parecia impossível do que as dezenas de inimigos que despachei para o outro mundo durante as sete ou mais horas de jogo. Nesses momentos, até o uso do arco ou do escudo como ferramentas para criar plataformas temporárias mostram o quão eles são excelentes, quando usados no contexto correto.

A segunda metade do jogo faz um uso ainda melhor dessas ferramentas com plataformas giratórias, muitos desafios de escalada ou pulos precisos que me faziam prender a respiração. Eu particularmente teria preferido que “Reach” fosse um jogo quase que inteiramente focado em quebra-cabeças e parkour do que a bizarra divisão entre esses conceitos e o combate abaixo da média da nReach.
Outro ponto que não posso deixar passar batido é a narrativa em si, muito além do que a equipe entregou até então. Tanto a atuação de Rosa como o restante do elenco é fantástica e a história da civilização – contada à conta gota, e que só vai ser totalmente revelada para quem explorar cada pedaço do cenário de “Reach” – é um pouco estereotipada, mas um avanço considerável comparado aos projetos anteriores da nDreams.
Mas se há uma coisa que impede “Reach” de atingir o seu completo potencial – ao menos no que tange a versão PC, usada para a produção dessa crítica – é a quantidade absurda de bugs.
O jogo foi lançado sem suporte algum ao Virtual Desktop ou similares. Eu o joguei em boa parte via Air Link e Steam Link, e ainda que visualmente fantástico, a quantidade de vezes que fui interrompido pelo meu braço virtual ficar “preso” em uma parede, ou não conseguir invocar o meu escudo mesmo depois de fazer o movimento correto dezenas de vezes, quebrava totalmente a imersão.
A desenvolvedora vem, de pouco a pouco, resolvendo esses problemas e eu não duvido que, quando for a hora de você jogar eles tenham sido sanados. Mas para um jogo que era para ser o mais “ambicioso” da equipe, frustra. É o que eu esperaria de um jogo em acesso antecipado, não um lançamento completo.
Esse é o perigo de autoproclamar qualquer projeto – independente do escopo – como o “mais ambicioso”. A desenvolvedora de fato evoluiu em áreas que eu não esperava, mas o combate — até então a assinatura da equipe — ficou em segundo plano. Não me arrependo de tê-lo jogado, é um deleite para fãs de parkour, mas não espere algo revolucionário.
Como disse no começo do texto, a maldição de “grandes títulos” de VR tem mais uma vítima para a sua lista.
Reach
Total - 8
8
“Reach” mostra que a nDreams evoluiu, e muito, no que diz respeito a movimentação, quebra-cabeças e fluidez em realidade virtual. No entanto, o seu sistema de combate é fraco, repetitivo, e a quantidade de bugs impedem que ele alcance o seu potencial completo.

