Estava em frente a um cacto. Esse não era o primeiro que via na minha passagem pelo deserto; era o 15º cacto. O 15º de uma trajetória que era sobre impedir nazistas de tomarem poder de um antigo cetro. Mas lá estava eu, frente a um cacto, em um jogo que teria a história em primeiro lugar e o combate tático em segundo. Eu estava confuso. Qual era o foco da Robotality em Pathway (Steam)? Aí é que está a grande resposta: não é qual é o foco, mas onde está o foco.
Pathway — assim como Halfway — vem com a ideia de trazer uma mistura de gêneros ou subgêneros. Um tiquinho de ação, uma ambientação inspirada pelos contos de aventura de gibis dos anos 30/40 onde bravos “descobridores” iam a países distantes para derrotar nazistas, salvar a população, e obviamente ganhar um trocado em cima das relíquias delas. É uma batedeira de ideias que alguém esqueceu de desligar.
Ele começa muito bem para te falar a verdade; eu estava moderadamente empolgado com a primeira jornada, “A Friend in Need”, onde eu ia resgatar um personagem das mãos dos nazistas. Em cada ponto do mapa podia descobrir uma história, uma interação nova com o ambiente, ou uma batalha. A campanha era curta, digerível em uma ou duas horas. Tinha selecionado a equipe disponível (com outros personagens sendo liberados à medida em que você completa certos desafios) e me senti bem satisfeito com o combate. Mas para um certo tipo de jogador, só “duas ou três horas de duração” não é u suficienteA realidade é que Pathway havia me proporcionado o que ele tinha para me proporcionar naquelas primeiras três horas. Todo o resto seria uma extensão terrivelmente longa e monótona do que eu tinha visto. Entram então os cactos.
O cacto engloba o que é jogar Pathway além de suas duas campanhas iniciais. A Robotality tenta trazer uma certa diversidade e ritmo inesperado com a sua geração procedural de histórias (e enche a boca para falar que há mais de 300 variantes) via seu mapa global. Na prática, no entanto, você vê quase sempre o mesmo cacto. Quando não era isso, eram eventos que tinham pouca ligação com a história principal, ou mais variantes desse mesmo evento. Um camelo no deserto junto a um caminhão nazista continua sendo um camelo, mesmo se o próximo evento – com a mesma estrutura – mudar a ambientação para um Oásis. Navegava pelo mapa como se Pathway fosse um apêndice cujos detalhes eram repetidos página por página; genuinamente acredito que devo ter passado por duas ou três situações que deveriam ser “únicas”, mas cujos elementos narrativos iniciais eram tão similares às outras que eu simplesmente ignorei.
Cedo ou tarde fui pego por uma emboscada armada pelos nazistas, prontamente eliminados por mim. Peguei um pouco de combustível, duas ataduras, e segui caminho. Por qual motivo a emboscada estava ali? Qual era o propósito dela? A trama da campanha era de que meu grupo estaria indo em direção aos nazistas para evitar que eles usassem uma arma superpoderosa, algo bem a lá “Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”. Até então eu não tinha dado sinais da minha presença, tampouco havia informações de que eles sabiam da existência do meu grupo por aquela região. O combate, portanto, simplesmente existiu.
Claro, às vezes não há defeito em um combate só existir – tantos outros jogos fazem isso para comportar um sistema de evolução de níveis (vide JRPGs e seus encontros aleatórios, ou alguns jogos onde você trafega por áreas perigosas e acaba se deparando com monstros). Mas eu não sentia que era esse o propósito em Pathway. Tinha um ar de que essa emboscada em algum ponto deveria ser a peça de algo muito maior – algo que nunca veio.
O maior – se não o principal – fator que causa a sensação de precariedade nessa emboscada e em outros confrontos surge do sistema tático das próprias batalhas. Halfway é um jogo que foi duramente criticado por sua rolagem de dados realista; ou, explicando, um sistema aleatório que não “ajuda” o jogador. 40% de chances eram 40% de fato — ao contrário de jogos como XCOM 2, que fazem cálculos internos diferenciados para reduzir essa probabilidade de decepção do jogador. Como que em reação à recepção menos que calorosa de Halfway, Pathway vai quase no sentido oposto, semi-extinguindo essa possibilidade de decepção quase ao ponto de buscar evocar a mesma sensação que Into the Breach. Precisão, ações definitivas, intensidade. Porém, só metade do “dever de casa” foi feito.
O que separa primariamente os dois sistemas é que Into The Breach é estabelecido dentro de um conjunto com regras extremamente claras: toda ação tem uma reação sem margem de erro, reação essa que pode ser então usada como um conceito vantajoso por parte do jogador. Pathway, por outro lado, propositalmente esconde as mais básicas noções do jogador — como o dano médio de uma arma em relação à distância do inimigo — sem o menor propósito. Você sabe que tem 100% de chance de acertar o inimigo, mas o dano que a arma irá causar pode variar de 28 a 40; e essa pode ser a diferença entre uma maravilhosa vitória – já que a maioria dos inimigos tem uma vida média de 32 pontos – ou uma dolorosa derrota.
Assim, o que deveria incentivar a tensão torna-se um mecanismo de cautela. Não dava dois passos sem garantir que eu ia eliminar o inimigo naquele turno. Caso não pudesse, reposicionava os meus personagens para que eles não tomassem dano. O que já era um trabalho danado, já que a IA parece saber de cara onde estão os seus personagens, jogando qualquer tentativa de ser furtivo pela janela.
Sobreposto a isso você ainda tem de lidar com uma variedade de personagens cujos atributos especiais raramente são úteis (alguns são melhores do que outros com um grupo de armas, outros podem usar armaduras pesadas ou curar seus companheiros, etc). Para que eles fossem úteis, era primeiro necessário ter essa base de combate expandida para aglutinar esses outros personagens ou estilos de jogo. Coisa que Pathway, mesmo depois de várias atualizações — e o motivo dessa análise sair um pouco mais tardia do que o esperado — não fez. A impressão que vem é que as personagens – tal como as tais aventuras – servem unicamente para estender o tempo médio de engajamento do jogador.
O sistema só não cai nessas armadilhas criadas por si próprio quando você está dentro de uma batalha pré-definida, o que tipicamente aparece só já no final de uma campanha, quando você já passou horas e mais horas alternando entre histórias que não funcionavam, interação com coisas que não tinham um propósito, e a pura frustração de ver ação atrás de ação ser realizada sem um objetivo. Essas batalhas são pra mim o ponto alto de Pathway pois foram especificamente modeladas com um objetivo, um foco, em mente. A campanha A ou B tem você batalhando contra um grupo de nazistas, ou tendo que se defender de zumbis por X turnos, ou enfrentando membros de um bizarro culto. Nesses raríssimos momentos é que você percebe que a linearidade seria algo benéfico ao invés de prejudicial.
Já disse isso, e repito mais uma vez: tem que acabar essa história de que jogo tem que ser para a vida toda. De que ele precisa ter trocentas variáveis, abraçar a geração procedural sem um conceito claro por trás dela. Isso é assunto de jogo independente querendo competir com o sistema de Games as a Service, e isso simplesmente não tem como acontecer. Não há mão de obra, não há geração procedural, não há condições de desenvolvedores tentarem competir com esses sistemas. O resultado é algo inchado, que poderia ter sido muito bem recortado para acomodar histórias e personagens bem delineados, ao invés de ser montado ao juntar retalhos.
Toda vez que eu olho para a janela do meu vizinho eu lembro do cacto. Ele também tem suculentas, e curiosamente há algo que se aplica também a esta análise: muitos acreditam que é só colocar água suficiente que as plantas vão crescer e se virar sozinhas. Para a Robotality, era só povoar o mapa com interações rasas, um combate tático repetitivo, e o jogador ia se entreter sozinho. Para ambos, uma lição: água é só o componente inicial. Suculentas, e jogos, também requerem luz e tantas outras necessidades para crescerem.
O cacto do meu vizinho está para morrer. Eu provavelmente nunca mais vou querer ver outro cacto de Pathway.
Pathway
Total - 5.5
5.5
Pathway aponta um caminho perigoso para jogos independentes: o inchaço em usar geração procedural para compensar ou competir com os gigantescos “Games as a Service”. O que era para ser uma base relativamente simples com uma história atraente acaba virando horas de situações e missões repetitivas para culminar em poucas batalhas ou eventos impactantes. Tem hora que uma colcha bem feita, mas que dura pouco, vale mais a pena do que uma feita a partir de retalhos.