Há duas coisas nessa vida que eu acho difícil de fazerem errado a ponto de eu detestar: um miojo e um jogo da série “Katamari”. Eu já arruinei um miojo, mas isso é história para outro dia. Agora “Once Upon A Katamari” (Steam / PlayStation 5 / Xbox Series S/X / Nintendo Switch)? Este não foi arruinado, ao menos não até agora.
O novo jogo da série criada por Keita Takahashi — que não tem envolvimento com ela desde “We Love Katamari” — já deixa duas coisas bem claras na sua fase introdutória: se a fundação de um jogo é sólida o suficiente, não há necessidade em mudá-la, e o “Rei de Todos os Cosmos” continua sendo um dos personagens mais excêntricos do universo dos games.
Se você nunca jogou “Katamari”, um conceito que me assusta e revela que estou ficando cada vez mais velho, explico: você joga como o “Príncipe”, um pequeno ser que tem quase sempre que limpar algum desastre causado pelo “Rei de Todos os Cosmos”. O rei, em títulos anteriores, conseguiu destruir praticamente todos os planetas do nosso sistema solar, estrelas, e tentou criar planetas “temáticos”.
Para isso você utiliza uma bola — se é que posso chamá-la disso — que praticamente gruda em tudo e precisa atingir um tamanho específico antes que o tempo acabe. Você começa coletando pequenos objetos e termina abocanhando pessoas ou até prédios nas fases finais. O absurdo reina na franquia e “Once Upon a Katamari” não foge à regra.
A história em si é apresentada como uma série de contos e lembranças do Rei e do Príncipe. Ela ocorre em paralelo a eventos “catastróficos” – obviamente, mais uma vez vindo do rei – que, durante uma limpeza junto com a rainha, ativou um dispositivo peculiar e fez com que o trio voltasse no tempo. Agora eles precisam restaurar o céu, onde ele estava antes da viagem temporal.

Pode parecer que eu repeti duas vezes o mesmo parágrafo, mas na realidade “Once Upon a Katamari” joga bastante seguro na história. A Rengame, desenvolvedora do projeto, olhou para os dois títulos originais, “Katamari Damacy” e “We Love Katamari” para a sequência. Em momentos eu senti que a mesma história estava sendo contada de uma outra forma, para uma nova platéia.
A sensação começou a ir embora à medida que avançava nas fases – separadas por períodos históricos que incluem a era Edo do Japão, a Era do Gelo, Egito e até a Grécia Antiga. Imagine rolar um Katamari enquanto o jogo mostra citações de Sócrates ou Platão. Essa é a “insanidade” que te espera.
E, por falar em jogabilidade, o novo título retém grande parte conceito de “rolar uma bola e colar tudo”, mas adiciona algumas novas camadas inesperadas, e ocasionalmente frustrantes. A mais notável é a presença de “power-ups”, ou “Freebies” como o jogo chama. Eles permitem que você congele o tempo, acelere o seu Katamari com foguetes (não me pergunte como isso funciona) ou use um ímã para agarrar tudo o que estiver ao seu redor.
No início eu não gostei muito deles; me trazia a sensação de que eu não estava mais no controle do Katamari ou que as minhas próprias habilidades não eram levadas em conta. Mas a Rengame os espalhou muito bem pelas fases para que eles atuem mais como um “empurrãozinho” do que algo necessário para completar a fase.
Por outro lado, “Once Upon A Katamari” exagera nas fases com “armadilhas”. Onde elas eram raríssimas em outros títulos, aqui elas são praticamente “essenciais”. Perdi a conta de quantas fases tem algum tipo de “vento” que decide empurrar o príncipe e o seu Katamari para alguma direção aleatória. É incrivelmente frustrante pois foge demais do espírito de “Katamari”, que já tinha sua parcela de “armadilhas” como pessoas andando, motos ou objetos maiores que te fazem perder preciosos segundos.

Chegou em um ponto que eu abria uma nova fase e pensava “por favor, que essa não tenha algum vento aleatório me soprando como se eu fosse um veleiro”. Dava até um respiro de alívio quando via que o maior desafio era “obter uma quantidade ‘X’ de um objeto ou animal” – uma mecânica que está presente desde o primeiro game e que, apesar de não ser o maior fã, tolero.
É importante pontuar que fases cujo propósito é coletar itens específicos também tiveram uma ligeira alteração e agora não tem um tempo limite, mas sim te dão um “rank” de acordo com o quão rápido você completá-las — de “S” a “D”.
Por falar em coletar, a Rengame também vai um pouco “além” do que eu gostaria no que diz respeito a itens colecionáveis. Cada fase tem um “primo” do príncipe, uma ou mais coroas escondidas, presentes, ou um objetivo “secreto”. Caso complete no mínimo dois objetivos, você recebe uma “Ficha do Rei”, usada para desbloquear novos itens de personalização para os primos do príncipe — que, como nos jogos anteriores, são personagens jogáveis caso enjoe de ver a cara do protagonista em todo o mapa. Eu nunca enjoei.
Se por um lado uma camada extra de personalização não faz mal a nenhum jogo, a presença dela em “Once Upon a Katamari” remove um pouco da identidade “brincalhona” e “relaxante”. Eu sei que soa contraditório chamar um título onde você tem um limite de tempo por fase “relaxante”, mas é o que a franquia sempre foi para mim. Eu a jogava para relaxar, rejogar as mesmas fases, rolar o meu Katamari e dar gargalhadas. Nunca me importei muito com presentes ou coisas do tipo.
No entanto, toda vez que abria uma fase que já tinha finalizado em “Once Upon a Katamari”, a sensação era de que eu tinha que completar um checklist. “Ah, não peguei a coroa” ou “Ugh, eu vi onde um dos primos estava, mas esqueci dele”. Isso sem falar na inclusão de alguns ícones extras na tela da partida, como o rank que você deve atingir se alcançar o tempo mínimo. Uma poluição visual desnecessária para um jogo que eu considero tão belo.

Mas grande parte do meu desgosto tinha um nome: o modo multiplayer KatamariBall. Não é a primeira vez que “Katamari” ganha um modo multiplayer, mas o KatamariBall é de longe com o que eu menos me interessei. Quatro jogadores competem para fazer o seu Katamari crescer o máximo antes do tempo acabar, e podem prejudicar os outros batendo neles ou usando os já citados power-ups.
Eu joguei algumas partidas e disse sem pestanejar: “não é para mim”. Pouco me importa o quanto de personalização haja nele; eu não vejo a franquia como algo competitivo. Se ao menos a Rengame tivesse adicionado um modo coop como em “Katamari Damacy: Reroll”, eu me sentiria menos frustrado.
Ao menos a frustração vai embora quando, apesar dos pesares, vejo que o humor da franquia permanece intacto. “Once Upon A Katamari” entrega piadinhas e trocadilhos à torto e a direito. Cada fase é repleta de pequenos segredinhos que são de fato engraçados e não uma justificativa para pegar um colecionável.
Para mim, isso é a alma de Katamari e fico muito feliz que ela está preservada mesmo depois de 21 anos. De quebra, o jogo dá uma boa motivação para os nostálgicos rejogarem as fases: opção de escolher a trilha sonora, que inclui praticamente todas as músicas da franquia. Eu preferia que essa opção estivesse liberada de cara, mas é melhor do que ficar limitado às músicas de “Once Upon A Katamari”.

E se você “desfarelou” ao pensar que a franquia tem mais de 20 anos, a Rengame faz uma alteração nos controles que não posso descrever como qualquer coisa além de “essencial” para aqueles que já estão mais do que cansados de rolar Katamaris e usar os analógicos para acelerá-los. Ao invés de ter que movimentá-los de forma rápida, agora você pode alternativamente usar o gatilho do controle para fazer com que ele saia “voando” pelo mapa e grudando em tudo o que é possível. Meus dedões agradecem.
Não só isso, mas uma série de ações que necessitavam de apertos contínuos de um botão agora podem ser mapeadas para segurar um botão do controle por um curto período. Há também um estilo de controle mais “simplificado” para quem quer tornar “Once Upon a Katamari” o seu jogo relaxante de 2025. Por já ter me acostumado com os controles clássicos, não o utilizei mais do que alguns minutos, mas fico feliz que todas essas opções estão presentes. Viva a acessibilidade!
É nessa pegada de acessibilidade e músicas clássicas da franquia que eu penso: Não imaginava que depois de 20 anos, eu ainda estaria amando Katamari, e escrevendo sobre uma sequência dele. Imaginei que a série havia “morrido” no PS VITA e nunca teríamos uma sequência.
“Once Upon a Katamari” não necessariamente é a sequência que eu imaginava. É segura demais, e traz adições que não fazem muito sentido ou são entediantes. Mas o humor afiado ainda está presente, os visuais atemporais continuam ótimos, e nada é mais satisfatório do que rolar o seu Katamari e grudar tudo o que for possível nele. Torço para que eu ainda veja essa mesma felicidade nos próximos 20 anos.
Once Upon a Katamari
Total - 8
8
Apesar de vir com adições que não me agradam, como colecionáveis demais — que trazem a sensação de que cada fase é um “checklist gigante” — ou um modo competitivo desnecessário, “Once Upon A Katamari” ainda é “Katamari” em sua essência. O seu humor e visuais atemporais são o que carregam boa parte das fases, e controlar a bolinha que gruda continua tão satisfatório quanto em 2004.

