Como apontei no meu texto de “Super Robot Wars Y”, quem acompanha o site não me vê como alguém que tem interesse em Digimon. Muito pelo contrário, embora eu não tenha “gastado” dezenas de parágrafos para proclamar a minha paixão pela franquia, eu a acompanho de perto desde “Digimon World” para PlayStation 1. A última década não foi muito bondosa com os fãs, com lançamentos esporádicos e que iam do bom ao “péssimo”. O anúncio de “Digimon Story: Time Stranger” (Steam / PlayStation 5 / Xbox Series S/X) foi a primeira vez que senti que a franquia tinha um futuro próspero. Eu começo a acreditar que isso se torne verdade.
A história do jogo começa sem muita pretensão – ou melhor dizendo, sem muita pretensão se levarmos em conta que é um jogo da franquia Digimon. Você faz parte de uma organização secreta com sede em Tóquio que investiga “seres desconhecidos que aparecem na nossa realidade”. Uma descrição apta para os Digimons nos olhos da população no geral.
Não tarda para que sua tarefa principal é descobrir o que se passa por trás de um prédio do governo do Japão. O governo não dá muitas explicações, e nem mesmo a sua organização sabe bem o que acontece. É o pontapé inicial que o jogo precisa para te apresentar aos Digimons, e toda a trama que gira ao entorno deles.
E quando digo ‘trama que gira ao entorno deles”, falo da calamidade que cai sob Tóquio e praticamente destrói a cidade. Mas você sai em parte ileso e é enviado para o passado junto de Inori – quem vai te acompanhar por um bom pedaço da jornada.
Embora o início tenha seus momentos bombásticos, ele é tudo menos isso. “Digimon Story: Time Stranger” toma o tempo que precisa para ensinar as principais mecânicas de combate, evolução — ou melhor, digievolução — e os requisitos para que isso aconteça. A desenvolvedora Media.Vision compreende muito bem que nem todos conhecem o processo de evolução dos monstrinhos que irão estar do seu lado por boa parte da história e serão as suas linhas de frente na hora do combate.

Embora eu tenha uma boa noção de como os sistemas funcionam, e a própria narrativa de outros jogos de Digimon, a introdução mais cadenciada foi uma ótima surpresa. “Digimon Story: Cyber Sleuth” tinha uma pressa desnecessária de te colocar no mundo digital, de te entupir de mecânicas e termos que a maioria das pessoas pode não ter a menor ideia do que significam, uma sobrecarga visual e de informações.
Devo reforçar aqui que, se “Digimon Story: Time Stranger” é a sua primeira interação com o universo Digimon, não se preocupe, o jogo é repleto de termos, dicas e um ótimo glossário para te ajudar a se situar. Além do que, não é necessário ter jogado nenhum título anterior para entender a história.
Por falar nela, é o ponto mais “fraco” de “Digimon Story: Time Stranger”. A interação do protagonista com Inori e os Digimons são o ponto forte, mas o arco que tange a catástrofe, o mundo digital e a possível ameaça ao mundo dos humanos é bastante previsível. Fica fácil de identificar quem é ou não o “vilão”, e o que vai acontecer no próximo capítulo. Alguns deles bem arrastados, diga-se de passagem.
Não falo isso para desmerecer o trabalho da Media.Vision, pelo contrário. Se ela não explora com profundidade os temas da narrativa, ela compensa com uma incrível atenção aos detalhes e em tornar o mundo digital, em um mundo crível.
Cada pedaço de Iliad – mundo onde parte da história ocorre – é repleto de digimons fazendo as mais diferentes tarefas ou socializando, e cada uma dessas ações tendem a estar associadas com o tipo de Digimon que eles são. Entre em uma floresta e você verá FunBeemon ou Kabuterimon coletando materiais. Uma região com lagos ou rios e você vai esbarrar com um Seadramon ou MarineAngemon fazendo piruetas, entretendo fãs ou conversando entre si. O salto de qualidade em comparação a “Digimon Story: Cyber Sleuth” e seu mundo “vazio” é quase indescritível.

Um dos meus complementos favoritos que a Media.Vision trouxe para “Time Stranger” são as digimontarias. Você não leu errado, é possível utilizar o seu Digimon como um meio de transporte, e ele vai além disso e te dá acesso a locais que até então pareciam inacessíveis. Eu adorei explorar cada pedaço do mundo de “Time Stranger”; lamento não ter feito “100%” em cada mapa, mas se eu tentasse, essa crítica nunca ia ao ar.
Infelizmente o mesmo não se aplica tanto no que diz respeito as dungeons, que ainda retém uma progressão bastante linear com o ocasional caminho secundário para encontrar um tesouro ou algum item que vai dar um boost nos seus Digimons na hora do combate.
E, vamos ser sinceros aqui, a maioria de nós jogamos Digimon para “capturar”, “evoluir” e batalhar contra outros Digimons, certo? Neste ponto, “Time Stranger” está muitíssimo acima da média do restante da franquia.
“Digimon Story: Time Stranger” usa um sistema de combate em turnos relativamente simples em termos gerais. Se você já jogou algum RPG, irá se familiarizar com o sistema em questão de minutos. O que faz ele se destacar é o sistema de afinidades. Cada Digimon tem uma afinidade-base — Vírus, Vacina e Dados — há outras afinidades mais raras, mas elas tendem a aparecer na segunda metade do jogo. Elas são suplementadas por um sistema de afinidade elementais (fogo, água, etc.). Isso cria um ótimo sistema de combos no qual você pode aniquilar um trio de inimigos em uma tacada só se você possuir a combinação de Digimons certa na sua party.
Esse sistema é complementado com a ótima mecânica de “captura” de Digimons. Você tem acesso a um novo tipo de Digimon assim que atingir uma taxa de pesquisa de “100”, o que ocorre depois de eliminá-lo por uma quantidade de vezes “X” em batalha. No entanto, o jogo te incentiva a esperar até que esta taxa chegue em 200% para obter um Digimon ainda mais forte.

“Ok, o que eu faço depois de pegar o meu Digimon favorito”? Ah, caro leitor, há tantas mecânicas para descobrir ainda. Primeiro que Digievoluções mais altas estão ligadas à sua classificação de agente — que avançam seja junto da história ou ao completar missões secundárias. Os Digimons mais poderosos só vão ser liberados assim que você atingir no mínimo a classificação 5, mas até lá você vai ter que ter muitas conversas com os seus parceiros de combate.
À medida que a história avança, mais estreito ficam os seus laços com os seus digimons, e eles começam a estabelecer ainda melhor a personalidade deles. Ao conversar, você pode influenciar qual personalidade vai “evoluir” ao longo do jogo. Isso vai influenciar quais variantes de Digievolução você vai conseguir obter, quais atributos e o potencial completo do Digimon. E isso é só a ponta do iceberg.
Em dado momento do jogo você pode enviar a sua equipe reserva (ou os Digimons que você quer evoluir mais rápido) para a Digifarm. Neles os Digimons sobem de nível sem ter que entrar em batalhas e o processo pode ser acelerado por meio de itens de treinamento obtidos via quests, missões ou espalhados pelo cenário. É a forma mais eficaz de torná-los máquinas de destruição no combate.
Se você imaginou que eu escrevi os parágrafos acima com um sorriso no rosto, você acertou. Uma das minhas franquias favoritas é “Shin Megami Tensei”, e embora ela não seja tão prevalescente quanto outros jogos da Atlus hoje em dia, eu adoro a ideia de fundir e combinar demônios.
O que a Media.Vision fez em “Digimon Story: Time Stranger” se encaixa quase que de forma perfeita nos meus gostos. Vocês não têm ideia de quantas horas eu gastei alterando, evoluindo, mudando os meus Digimons. Ainda bem que fiz, pois quando eu decidi realizar algumas quests secundárias – com alguns chefões surpresas, foi um “deus nos acuda” para tudo quanto é lado.

Essas são algumas das lutas mais exigentes no que tange estratégia, gerenciamento de digimons e conhecimento de buffs e debuffs. Especialmente pelo fato que eu, como muitos sabem, sou uma pessoa teimosa e decidi jogar “Digimon Story: Time Stranger” na dificuldade mais alta de cara. Me arrependo? Um pouco, mas teria me arrependido muito mais se escolhesse a dificuldade “normal” e não explorasse mais a fundo as sinergias e estratégias que podem ser criadas com os mais de 450 Digimons presentes no jogo.
A cereja no topo do bolo no que diz respeito a jogabilidade é a inclusão de uma opção de acelerar a velocidade das batalhas, ou fazer com que elas sejam realizadas de forma automática.
Esses sistemas costumam estar presentes em remakes ou remasters de RPGs clássicos, mas como eu não tenho a menor paciência para animações longas de certas habilidades — por mais belas que sejam — elas são uma mão na roda na hora do grind. Evitei usar o modo automático por preferir ter sempre o controle das batalhas. A exceção é – e sempre será – “Final Fantasy XII”.
Eu estaria mentindo se falasse que “Digimon Story: Time Stranger” é o meu jogo favorito da franquia. Este lugar vai ser sempre de “Digimon World” pelo fator nostalgia. Mas, após anos na espera de um jogo que atendesse as minhas expectativas, a Media.Vision atingiu o impossível. Um RPG que abraça “Digimon” e que é uma excelente porta de entrada para quem nunca explorou esse mundo digital. Vai por mim, vale a pena conhecê-lo.
Digimon Story: Time Stranger
Total - 9
9
Depois de quase uma década de jogos “mornos”, “Digimon Story: Time Stranger” chega arrebentando com um ótimo sistema de combate, cenários belíssimos e Digimons até dizer “chega”. A história e as dungeons não são o seu forte, mas você não vai se arrepender de passar cada segundo ao lado desses monstrinhos digitais.

