Levando em conta o quanto eu escrevo para o Hu3BR, você há de imaginar que eu tenho um ótimo ciclo de sono, certo? Quem dera! Insônia é uma companheira minha de longa data. Rolo de um lado para o outro da cama, um dos gatos me acorda, o barulho na rua me incomoda. As minhas últimas madrugadas, felizmente, têm sido preenchidas com “Dark Quest 4”. (Steam / Playstation 5 / Xbox Series S/X / Nintendo Switch).
A franquia, que em breve completa 10 anos, pode ser melhor descrita como “Um dungeon crawler para pessoas cansadas”. Embora ela tenha inspiração no clássico “Hero Quest” — que, por acaso, é uma delícia de jogar, caso você consiga encontrar uma versão física e juntar outras pessoas para completar dungeons — nela você não vai encontrar sistemas complexos, metaprogressão no estilo roguelite ou sequer pontos de experiência. O que reina é a “simplicidade”, ou ao menos a simplicidade que um dungeon crawler permite.
O jogo abre com um tutorial ensinando os controles básicos – mais simples de entender, impossível, já que cada personagem só pode fazer uma ação por turno, seja se mover ou atacar – e já te joga para a tela de seleção de heróis e missões.
É nela que você vai passar uma boa parte do tempo ajustando a sua party. Com uma boa seleção de classes de início, “Dark Quest 4” evita ao máximo te limitar na quantidade de escolhas. Quer iniciar uma partida com um bárbaro, um lanceiro e um mago? Vá em frente e tente conquistar a dungeon. No entanto, te desejo sorte.
Se tem algo que a desenvolvedora Brain Seal aprendeu muito bem nessa última década, é transformar até a mais simples das dungeons em um misto de um gigantesco quebra-cabeça com a sensação de que você sempre está em desvantagem.

Quando falo “quebra-cabeças”, não são aqueles encontrados em “Legend of Grimrock” ou similares. Nada de tentar resolver charadas ou enigmas, mas sim compreender o posicionamento dos inimigos e como priorizá-los.
“Dark Quest 4” propositalmente esconde o rolar dos dados para definir o turno de cada batalha. Há como ter uma vaga noção de acordo com a iniciativa dos seus personagens e dos inimigos, mas nunca certeza.
Eu sei que muitos irão franzir a ideia para esse conceito, mas tirar um pouco do controle do jogador é o que torna algumas das batalhas de “Dark Quest 4” tão emocionantes.
Imagine a minha surpresa quando eu desci uma das dezenas de masmorras do jogo e dei de cara com um grupo de esqueletos, dois magos e…. galinhas explosivas. Sim, galinhas explosivas que estão mais do que empolgadas para você atacá-las e fazer com que elas causem dano em área. Os dados não estavam ao meu favor, e minha party foi aniquilada em questão de instantes.
Agora você há de imaginar que com uma perda tão catastrófica, “Dark Quest 4” me pune de alguma maneira, certo? Mais ou menos. O jogo não utiliza um sistema de níveis ou muito menos perda de experiência. O máximo que perdi com a derrota foi tempo. Esse é o ponto mais positivo — e “negativo” do jogo.

Todas as dungeons de “Dark Quest 4” são feitas à mão, um feito incrível considerando a variedade de cenários que a Brain Seal criou; mas, por outro lado, a curta duração delas — em média dois ou três andares — as torna muito fáceis de decorar. Eu imagino que isso tenha sido uma decisão consciente, pois em vários momentos eu me vi repetindo dungeons para melhorar os meus heróis.
Embora, como disse anteriormente, o jogo não utilize um sistema de experiência, os seus heróis podem ser melhorados com novas cartas (que funcionam como habilidades passivas ou ativas), runas ou poções. Algumas dessas cartas permitem você atacar mais de uma vez em um turno, outras aumentam em 33% a probabilidade de atacar um inimigo no começo da batalha. Todos esses itens requerem dinheiro, e qual a melhor forma de obtê-lo? Grind nas dungeons que você completou.
Eu não sou contra grind, pelo contrário, adoro dependendo do jogo, mas o formato utilizado por “Dark Quest 4” é entediante. É repetir as mesmas dungeons, matar os mesmos inimigos que iniciam as batalhas na mesma posição e se certificar de obter ouro suficiente para comprar os equipamentos que citei. Um botão de “acelerar animação” teria sido muito bem-vindo.
Ainda que eu critique a necessidade de grind, a curta duração da maioria das dungeons minimiza um pouco a “dor”. Não falo de um jogo onde você vai perder o progresso de 40 ou mais minutos. Se você perdeu 10 minutos porque morreu, é muito. A minha maior reação foi “Meh, eu não acredito que não posicionei o meu arqueiro para ele não receber dano”, e se essa é a minha maior reação frente a uma frustração, “Dark Quest 4” cumpre muito bem o seu papel de não me gerar dores de cabeça.
Devo salientar que o sistema de “grind”, por mais “entediante” que possa parecer no papel, suplementa outro sem o qual não vejo “Dark Quest 4” funcionar tão bem: o sistema de fadiga.

Similar a jogos como “XCOM” ou outros títulos em turno, sua party retorna cansada de uma dungeon e recebe penalidades nos pontos de vida. Tentar uma segunda run com os mesmos personagens é praticamente suicídio.
Como uma pessoa que tende a montar sempre o mesmo grupo de heróis (um arqueiro, um guerreiro e algum personagem com cura), o sistema de fadiga de “Dark Quest 4” é mais do que o suficiente para eu sair da minha zona de conforto. E, quanto mais eu saí dela, mais eu fiquei impressionado com a variedade de ataques das outras classes, ou como elas combinam tão bem entre si.
Um dos meus momentos favoritos foi, relutantemente, pegar dois magos e um arqueiro para tentar completar uma das missões principais do jogo. Era a party mais “fraca” que eu tinha em termos de pontos de vida. Um passo em falso, um dano crítico e lá se ia um dos meus personagens.

O segredo para o meu sucesso? Múltiplas habilidades de dano em área. Adentrei uma sala e lá estavam as malditas galinhas, aliadas dessa vez com três arqueiros e outros dois magos. Em teoria meus personagens não teriam chance, mas bastou um ataque do meu arqueiro que acertou três galinhas explosivas, e uma bola de fogo em um dos magos, e todos os inimigos viraram pó. A explosão de uma galinha causou um efeito em cadeia que matou o restante delas e enfraqueceu o resto dos inimigos. Dei aquele sorrisinho de canto de boca, quase como “Ah, pensaram que iam me pegar dessa vez né, galinhas malditas?”. Eu juro que há uma maior variedade de inimigos, mas vocês não têm noção do ranço que eu criei com essas galinhas.
Confesso que, se não fosse pelo sistema de fadiga, eu teria me sentido mais “cansado” de fazer “grind” em “Dark Quest 4”, mas ao menos eu tinha a sensação de que eu caminhava para algum objetivo — seja ele uma carta nova ou um novo equipamento. Outro ponto no qual ele se destaca é que, se você mantiver os personagens descansando por duas ou mais runs, eles vão ter bônus de vida — perfeito para as dungeons mais avançadas do jogo. É elegante? Não tanto, mas funciona, e eu prefiro isso a coletar moedinhas ou coisa assim para metaprogressão, urgh.

O que de fato é elegante em “Dark Quest 4” está muito longe de estar relacionado à campanha principal ou aos personagens, mas sim ao seu fantástico criador de cenários. Fácil de usar, você pode criar mapas e compartilhá-los via Steam Workshop. Você não precisa se preocupar em importar ou exportar os seus heróis da campanha base, já que eles são compartilhados entre os modos — incluindo as suas habilidades passivas e melhorias.
A quantidade de cenários de qualidade que eu vi no Steam Workshop já supera, e muito, o que “Dark Quest 4” tem na sua campanha base. E, o melhor, como a progressão é compartilhada, você não precisa se preocupar se vai ter que realizar todo o grind de novo. Ouso dizer que muitos dos cenários são mais desafiadores do que os que vi na campanha.
A minha única real crítica em relação a “Dark Quest 4” fica para a questão de visibilidade e pouca variedade de biomas. No que tange a biomas, os jogos anteriores — especialmente “Dark Quest 2” — dão um banho, com arenas repletas de armadilhas e a sensação de que você está cada adentrando uma região cada vez mais ameaçadora, mas eu dou mais do que uma “colher de chá” por conta do criador.

Já no que diz respeito à visibilidade, às vezes é um pouco difícil de ler qual a quantidade de pontos de vida que um personagem tem, caso ele esteja próximo a uma parede. Outra vez retorno para um dos seus antecessores – “Dark Quest 1” – que usava visuais mais “simplórios”, mas mais fáceis de compreender de forma rápida. Mas eu sou da “velha guarda” e gosto do meus dungeon crawlers sem muitas firulas e nem me importo se o jogo não possui animações ou os personagens são representados como tokens.
Retorno ao que eu disse no começo da minha crítica: “Dark Quest 4” é um ótimo dungeon crawler para “pessoas cansadas”. Aquelas que chegam tarde do trabalho, que não querem pensar muito e só querem explorar uma dungeon sem ter que se preocupar se vai perder horas e mais horas de progressão ou, ou se você vai precisar ajustar minuciosamente o equipamento de cada personagem.
Ele não chega aos pés do jogo que o inspirou — “Hero Quest” — ou de outros títulos como “Warhammer Quest”. Mas, como alguém que passou por noites e mais noites de insônia, estou mais do que contente que ele estava ao meu lado.
Só não estou contente com as galinhas, malditas sejam.
Dark Quest 4
total - 8.5
8.5
“Dark Quest 4” é simples de aprender, simples de jogar e ocasionalmente frustrante. A Brain Seal foge das armadilhas “modernas” como metaprogressão em favor de um sistema de grind e fadiga. Às vezes é entediante? Sim, mas antes repetir a mesma dungeon do que evoluir a sua equipe a conta gotas. Ele não busca ser o melhor dungeon crawler de 2025, mas te garanto que ele vai ser um ótimo companheiro para finais de semana ou noites em claro.

