Eu não sou dessas pessoas de acreditar que tudo retorna de uma forma ou outra. O fim de uma empresa, franquia, seja o que for, é definitiva para mim. Quando a Mimimi Productions fechou as portas no final de 2023, pensei “Bem, é isso, não vamos ter jogos de stealth isométricos por um bom tempo, não há mercado para eles”. Eis que vem a Artificer e me entrega “Sumerian Six” (Steam), quase como que dizendo “Ei, ainda estamos aqui e vamos tentar manter esse espírito vivo!”. E falar sobre “Sumerian Six” é invariavelmente falar sobre o histórico do subgênero e da Mimimi Productions — o que deu certo e errado.
A empresa que revitalizou os jogos de stealth isométricos com “Shadow Tactics” em 2017 mostrou ao mundo que havia como fazer esse tipo de jogo sem a rigidez da série “Commandos”. Outras tentativas existiram nesse meio tempo — como o meu queridinho “Hidden & Dangerous 2” — mas os jogos se mantinham limitados a sempre terem um objetivo bem definido e atuarem quase como que em forma de quebra-cabeças. Ou você faz do jeito “X” ou você não faz. Essa ideia é parcialmente carregada pela própria “Artificer” na produção de “Sumerian Six”.
Caso você nunca tenha jogado ou sequer ouvido falar do subgênero — o que não me surpreende, considerando o quão “nicho” ele é na última década — ele funciona de forma relativamente “simples”. Cada missão é composta de um ou mais objetivos que precisam ser completados. Entre você e o objetivo há praticamente um exército de inimigos prontos para te matar assim que te avistarem.
A chave para o sucesso é descobrir as rotas deles, e tirar proveito dos cones de visão deles para que eles não te vejam. O modelo evoluiu bastante na última década com a adição de habilidades, diferentes classes, e cenários cada vez mais complexos, como missões à noite ou na chuva. “Shadow Gambit: The Cursed Crew”, último jogo da Mimimi, foi para muitos o ápice da experimentação e variedade.
“Sumerian Six” retorna quase às origens do subgênero, te colocando no comando da “Enigma Squad” — um grupo de cientistas / soldados com habilidades especiais em um período de alvoroço na Segunda Guerra Mundial. Ao invés de seguir o estilo de narrativa de “Commandos”, onde tudo e todos são quase todo o tempo sérios, a Artificer tenta transitar entre uma narrativa leve com personagens extravagantes em meio a uma real ameaça Nazista — a construção de uma máquina do tempo por meio de uma tecnologia aparentemente descoberta pelos sumérios.
Infelizmente, se tem algo que a Artificer me provou com o seu último jogo — “Showgunners” — é que a narrativa não é o seu ponto forte. E o problema se repete ainda mais forte em “Sumerian Six”. Em teoria era para eles serem uma equipe, mas nem os dois irmãos Sid e Isabella conseguem ter algum tipo de ligação fora de uma cinemática ou outra. Os inimigos mais “ameaçadores” parecem ter saído de um banco de dados chamado “inimigos poderosos, mas com nomes estapafúrdios e com uma apresentação meia boca”. Se não fosse pelos elementos táticos, eu poderia chutar que estava jogando uma cópia barata de algum “Borderlands” — e não veja isso como um elogio.
Parte do problema, para mim, existe pela expectativa gerada por “Shadow Gambit: The Cursed Crew”, onde havia tempo para respirar, explorar o navio, conhecer mais sobre cada um dos tripulantes e a razão deles estarem lá. A abordagem da Artificer é mais direta; cinemática, missão, cinemática, e por aí vai. Não é à toa que os jogos mais bem sucedidos da desenvolvedora em termos de narrativa foram “Hard West” e “Phantom Doctrine”. Ao menos neles havia um espaço para você conhecer quem você controlava e como eles se envolveram com toda a situação.
Mas, se você é um daqueles que leu o parágrafo acima e pensou “que se danem os personagens, como eu posso explorar os mapas de ‘Sumerian Six’?”. Aí sim você está com um prato cheio em mãos.
Como disse no começo do texto, o jogo segue uma certa “rigidez” em relação aos objetivos. Cansei de contar quantas vezes eu completei “vá até tal lugar e mate X guardas”, ou “recupere item Y e fuja”. Funcionaria em 2017, mas não funciona tão bem em 2024. Por outro lado, o grau de experimentação que “Sumerian Six” oferece está quase no mesmo grau de “Shadow Gambit”, e isso por si só já é um feito espetacular. E, ao mesmo tempo, revela uma das “fraquezas” de “Sumerian Six”.
Cada membro da Enigma Squad possui gama absurda de habilidades que variam entre a capacidade de dissolver corpos até poder se tornar invisível, trocar de corpo com um inimigo, se teleportar ou, bem, ser um misto de urso / lobisomem que vai amedrontar e destruir tudo ou o que você quiser pela frente.
Queria muito poder dizer que a dificuldade do jogo cresce de forma gradativa, com mais membros na sua equipe sendo pareados com missões ainda mais complexas. Mas o que acontece é o inverso, resultado direto de um jogo que permite experimentação… até demais.
Um dos meus personagens favoritos era a Rosa, capaz não só de dissolver corpos, mas também plantar bombas nos soldados alemães, fazê-los andar até uma área determinada e detoná-los. Uma patrulha? Estava mais para um churrasquinho. O potencial da personagem é tão, mas tão alto que eu completei duas missões apenas usando ela, mesmo tendo alertado os guardas mais de uma vez. Como? Eles não se importam muito com corpos espalhados pelo mapa.
O sistema de alarme de “Sumerian Six” foi um constante “ame ou odeie”. A Artificer conseguiu evoluir certos aspectos que foram ignorados pela Mimimi Productions. Por exemplo, se você soltar uma caixa em cima de um inimigo, os outros inimigos que estão na área não vão ignorá-lo — um elemento que eu sempre achei um absurdo em “Shadow Gambit”. Por outro lado, se eles verem um corpo, eles vão entrar em um estado de alerta temporário e depois de 30 segundos vão voltar aos seus postos como se nada tivesse acontecido.
A melhor solução, a meu ver, seria alterar a posição dos inimigos ou até mesmo da rota deles para pegar o jogador desprevenido. Eu cheguei em um ponto de decorar tão bem as rotas dos inimigos que, como disse acima, poderia limpar um mapa inteiro com um único personagem sem muito esforço.
E, quanto mais o jogo libera personagens e habilidades para você, mais fácil é cumprir esses feitos. Eu não tenho dúvida que essa tenha sido uma decisão consciente, por assim dizer, da Artificer. O último jogo da desenvolvedora, “Showgunners”, foi duramente criticado por não ter variedade suficiente, e “Sumerian Six” é quase como uma resposta direta a essas críticas, quiçá uma hipercorreção.
Aliás, tentar super corrigir um problema está virando quase uma marca registrada da Artificer. A segunda metade do jogo adiciona um novo instrumento no inimigo chamado “Disruptor” que, para mim, se lê como uma desenvolvedora desesperada por ter dado poder demais ao jogador e agora quer tirar um pouco dele.
Esse novo objeto impede que você utilize certas habilidades específicas dos personagens, e a única forma única de desativá-lo é destruindo ele. Era para ser um gigantesco quebra-cabeça que o jogador teria que resolver, mas, na realidade, é tão fácil quanto o restante do jogo. Elimine todos os inimigos da área e você tem acesso ao Disruptor em minutos. Basta apertar um botão e você tem todas as suas habilidades de volta.
Eu não chego a dizer que é frustrante, só é um pouco decepcionante de ver um elemento que poderia virar uma missão de cabeça para baixo e dobrar a sua dificuldade se tornar tão banal quando se tem uma equipe composta da elite da elite que é quase impossível de ser parada.
O que “Sumerian Six” mais precisa é de elementos que tragam desafio para o jogador e o façam pensar ou repensar uma rota. Só um “Disruptor” ou um inimigo especial — como o Geist, um oficial nazista que se teleporta pelo mapa — não é o suficiente. O jogo acabou dando alguns passos para trás ao remover certas mecânicas como visibilidade além do cone de visão e missões noturnas, tão bem implementadas pela Mimimi Productions. Parece existir um certo receio da desenvolvedora de deixar o jogo difícil demais para iniciantes e fazer com que eles percam o interesse rápido. E, em um mercado tão volátil quanto o de 2024 no que diz respeito a jogos, eu entendo muito bem a dificuldade da posição da Artificer.
Por mais altos e baixos que ele tenha, eu adorei “Sumerian Six”. Falta de desafio à parte (às vezes penso que é por eu já ser um veterano do subgênero), um jogo desses em pleno 2024, oferecendo esse grau de experimentação com os personagens, vale ao menos as 20 ou mais horas de duração que ele vai tomar.
O mais importante é que o jogo, ainda que divida muitas mecânicas com os jogos citados nessa matéria, consegue cravar uma identidade própria. Os mapas e os visuais são muitíssimo inspirados e a equipe artística da Artificer merece todo o reconhecimento possível. Na maioria do tempo em que o jogava eu não estava só na expectativa de uma patrulha passar para poder avançar para o próximo ponto ou completar um objetivo, eu observava o quão belos eram os cenários, como cada objeto se encaixa muito bem com a proposta “maluca” de Nazismo, ocultismo e pitadas de “pulp fiction” ali e acolá.
Para um subgênero que eu havia dado como “morto” pela próxima década, a Artificer conseguir carregar o legado da Mimimi Productions é um sopro de esperança para os fãs. Pode ser que ele venha a ser só isso, um sopro; pode ser que “Commandos: Origins” reforce ainda mais o espírito do subgênero. A resposta ainda não está clara sobre o futuro, mas “Sumerian Six” é certamente digno de tomar um pedaço da sua tarde de domingo. Ou, quem sabe, uma semana inteira.
Sumerian SIx
Total - 8
8
“Sumerian Six”, como qualquer outro jogo, tem seus altos e baixos. Oferece experimentação, mas às vezes é fácil demais, e a desenvolvedora Artificer não consegue corrigir o “problema” a tempo. E, embora não atinja o ápice dos títulos da finada Mimimi Productions, é mais do que digno de estar ao lado deles. Para um gênero que cada vez perde mais espaço e fãs, ele merece — e muito — mais atenção.